Por Lucas
Sena
Esse ano completa-se 50 anos do golpe militar que abriu
um dos momentos mais sombrios da história
Brasileira. Na tentativa de
comemorar essa data, setores de extrema direita organizaram
manifestações para reeditar a Marcha da Família com Deus pela
Liberdade. A manifestação contou com aproximadamente 40 pessoas,
sendo portanto, do ponto de
vista numérico, um completo fracasso, além de
contar com a presença de
algumas pessoas folclóricas e de um punhado de skinheads.
Isso mostra que não estamos na eminência de um golpe da direita
como sinalizam algumas organizações. Porém,
todo momento de polarização social é um momento de polarização
política e em momentos mais decisivos esses
setores tendem a se organizar.
A extrema direita é a expressão de uma classe média
conservadora decadente e desesperada, na qual
a burguesia se apoia em
situações excepcionais para conter a luta dos trabalhadores e
não ameaçar seus lucros ou
sua propriedade. Via de regra há
um discurso apoiado na moralidade, mas em geral
os governos de extrema direita cometem
enormes atrocidades humanitárias. Por isso, para nós socialistas,
os 50 anos do golpe militar é um momento para desconstruir os mitos
da ditadura, educar as novas gerações sobre o caráter do golpe
militar e, principalmente, lutar contras as medidas que hoje os
governos, que se intitulam democráticos, aplicam
para combater
os movimentos
sociais, assemelhando-se
à época da ditadura.
A ditadura antes de tudo torturou e matou milhares de
ativistas que lutaram por direitos. Muitas famílias sofreram
uma tortura psicológica e sofrem
até hoje por não conseguirem enterrar seus parentes. O mais
escandaloso é que os militares se negam a abrir os arquivos da
ditadura. Além disso, o
regime militar se sustentou não só pela eliminação física dos
opositores, mas também com
base em mentiras.
O atentado do Rio Centro vem sendo aos poucos desvendado como mais
uma série de ações que o
próprio regime arquitetava para incriminar os militantes de esquerda
e desmoralizar o movimento.
O tal milagre econômico
Remanescentes defensores da ditadura alegam que o regime
propiciou um enorme crescimento econômico que trouxe prosperidade a
todos. Porém, na prática,
a estrutura econômica privilegiou essencialmente as grandes
multinacionais. De fato ouve um pico de crescimento econômico que
foi de 1969 a 1973, quando o país expandiu taxas de 11% ao ano. Mas
esse crescimento esteve
relacionado ao aquecimento
global da economia, combinado com mecanismos que achatavam
as condições trabalhistas, priorizando o lucro das grandes empresas
e o endividamento do país.
Os trabalhadores tiveram uma redução no salário
mínimo que sofreu perdas de 25% de 1964 a 1966 e de mais 15% entre
1967 e 1973, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) engordava 11% ao
ano. Ou seja, enquanto as multinacionais tinham lucros enormes e uma
parcela da população (classe média)
adquiria bens, a grande massa empobrecia. O que exemplifica essa
situação é que a participação de
80% dos brasileiros mais
pobres na riqueza nacional caiu 8,7% em 1970. Nesse período teve a
explosão do número de
favelas nas cidades.
Boa parte do crescimento está relacionada com
empréstimos feitos e que se intensificaram no ano de 1973 para
enfrentar a crise do petróleo e prolongar o “milagre”. O
endividamento do país era generalizado e fez com que, no mesmo ano,
se abrisse uma hiperinflação.
A inflação em 1964 era de 87% e em 1984 era de 220%. Além disso,
estima-se que a dívida externa do País, que era de 4 bilhões de
dólares em 1964, pulou para 80 bilhões dólares em 1984.
Os militares eram patriotas?
Outro argumento é de
que os militares seriam defensores da nação. Essa
afirmação não tem nexo nenhum com a realidade. O golpe militar foi
arquitetado pelos EUA e sem o aval americano jamais teria acontecido.
Através da Escola das Américas, inicialmente localizada no Panamá
e posteriormente na Geórgia, se treinou militares para aplicarem
torturas no Brasil.
Vários documentos e escutas revelam
conversas de Kennedy e Lyndon Johnson sobre o Brasil vislumbrando a
possibilidade da intervenção americana. O
embaixador
americano no Brasil, Lincoln Gordon, coordenou com governo dos EUA e
a CIA ações de desestabilização de Goulart e o envio de
força-tarefa naval para ajudar conspiradores.
Além
disso, houve o financiamento de supostos institutos de pesquisa
anti-Goulart, como o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação
Democrática) e o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais)
para bancar “pesquisas” e campanhas de 250 candidatos a deputado
federal,
oito a governador e 600 a deputado estadual,
todos em
oposição ao governo e alinhados com os EUA.
Na
véspera do golpe se iniciou a operação Brother
Sam que consistiu no envio da Marinha
Norte-americana para apoiar os militares brasileiros em caso de
resistência. A logística pró-golpe
era composta por
cem toneladas de armas leves e munições, navios petroleiros, uma
esquadrilha de aviões de caça, um navio de transporte de
helicópteros (com 50
unidades a bordo, tripulação e armamento completo),
um porta-aviões, seis destróieres,
um encouraçado, um navio de transporte de tropas e 25 aviões para
transporte de material bélico.
Na prática,
o regime militar deixou o país
mais dependente dos EUA e com
sua soberania afetada, reflexos que até hoje sentimos, inclusive
no pagamento de dívidas
aos grandes bancos nacionais e internacionais. As patas dos EUA e dos
golpistas contribuíram de forma determinante para aprofundar o
caráter de Colônia Americana.
A ditadura lutou contra a corrupção?
Parte dos defensores do regime militar
alegam que sob o regime não haveria corrupção. Além
da desonestidade em afirmar
isso, tal pensamento é
completamente ilógico, pois a
corrupção é algo
intrínseco ao capitalismo e
a supressão de liberdade de investigação, bem
como a coação dos meios de comunicações de
divulgar os possíveis atos de corrupção, geraram
um ambiente propicio para a roubalheira.
Uma das grandes promessas do regime
militar era acabar com a corrupção. O marechal Castello Branco
(1964-1967) prometeu dar ampla divulgação às provas de corrupção
do regime anterior por meio de um livro branco da corrupção,
promessa que nunca saiu do papel, tendo em vista que os empresários
que apoiaram o golpe estariam relacionado com os escândalos, pois
para haver corruptos necessita-se a existência de corruptores.
Apesar da censura, muitos escândalos
ficaram famosos como a operação Capemi - Caixa
de Pecúlio dos Militares -
que ganhou a concorrência de forma suspeita para a exploração de
madeira no Pará, além dos
desvios de verba na construção da ponte Rio–Niterói e da Rodovia
Transamazônica.
Mesmos depois da criação da Comissão
Geral de Investigações (CGI), órgão responsável por averiguar os
casos de corrupção, esses aumentaram
e a não punição foi a marca geral do desfecho dos inquéritos.
Dentre os casos conhecidos estão o atraso dos salários das
professoras municipais de São José do Mipibu no Rio Grande do
Norte, a compra de adubo superfaturado pela Secretaria de Agricultura
de Minas Gerais e as acusações de irregularidades na Federação
Baiana de Futebol. Entre 1968 e 1973 os integrantes da comissão
produziram cerca de 1.153 processos. Desse conjunto, mil foram
arquivados, 58 transformados em propostas de confisco de bens por
enriquecimento ilícito e 41 foram alvos
de decreto presidencial.
A ditadura criou
principalmente o ambiente
ideal para o abuso policial sem qualquer tipo de punição. Quantos
Amarildos e Cláudias
morreram de forma tão trágica e não hove conhecimento de ninguém?
Quantos pequenos comerciantes foram extorquidos sem poder recorrer a
ninguém? Quantos jovens apanharam na rua por apresentar
comportamento “suspeito” e não tiveram onde denunciar?
A frente popular da redemocratização
a criminalização dos movimentos sociais
Lutar contra um regime que reprime os
movimentos sociais vai além
da luta contra a extrema
direita. Significa se enfrentar com antigos aliados no
combate à ditadura. Hoje, parte dos que
combateram a ditadura arquitetam planos para reprimir as
manifestações. Usam policiais
infiltrados em manifestações, muitas vezes realizando ações de
provocação para acabar com os protestos.
Alguns P2 têm a ousadia de se enfrentar até em reuniões do
movimento. Ano passado foi aprovada a lei que enquadra as
manifestações no crime de terrorismo, podendo levar manifestantes à
cadeia por até 30 anos.
Aqui no Estado 6 integrantes do Bloco
de Lutas estão sendo indiciados por formação de milícias
(???!!!). Dois deles são militantes do PSTU: Gilian Cidade
e Matheus Gomes. Esse último
teve sua casa invadida pela policia civil. A
policia do governador Tarso Genro, que
persegue manifestantes, é a mesma que jogou
bomba nas manifestações de junho. De
conjunto, essas ações estão sendo arquitetadas pelo governo Dilma
para impedir manifestações que ameacem os lucros estratosféricos
dos empresários na copa do Mundo.
Por isso, relembrar os crimes bárbaros
da ditadura e repudiá-los é importante, porem insuficiente. É uma
tarefa dos movimentos sociais lutar contra qualquer repressão e
também contra o abuso da polícia, em especial à juventude negra
das periferias. É ter clareza que a luta pela liberdade plena é uma
luta contra o capital. A única possibilidade de uma democracia
verdadeira é derrotando o capitalismo e construindo uma sociedade
onde os trabalhadores estejam no poder.