Aldo Cordeiro Sauda
Rodrigo Claudo
Após uma longa manha de panfletagem e conversas na porta da fábrica de chocolates Felfort, em Buenos Aires, Aldo Sauda e Rodrigo Claudio entrevistaram os dirigentes operários Franco “Idoeta” e Rodolfo “Cacho”. Militantes do PSTU argentino, os dois são também membros da comissão de delegados eleitos pelos trabalhadores da Felfort para representa-los junto ao sindicato. Alem disto, nas atuais eleições, Rodolfo “Cacho” integra a lista de candidatos a deputado federal pela FIT, a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores que concorrerá este fim de semana nas eleições nacionais,
Aldo:
Qual
a situação do movimento operário argentino dos últimos anos?
Franco
“Idoeta”:
Nos últimos anos temos passado por uma fase de reorganização. Surgiu neste
período uma grande camada de novos delegados de base. Aqui na Argentina, a
diferença da organização sindical comparada ao Brasil está em que temos delegados
diretamente eleitos pelos trabalhadores nas fábricas, que são ligados à organização
sindical, criada durante o governo de Peron. Houve uma renovação de muitos
delegados de muitos lugares, e a esquerda conseguiu captar uma parte deles. A
maioria, porém, está solto politicamente. Eles não respondem a nenhuma corrente
politica.
Este processo se inicia de certa forma
desde 2001, quando houve uma revolução contra o regime aqui na Argentina. Acontece
que a burguesia não conseguiu encerrar o processo que se iniciou em 2001. Aqui
na fábrica em que eu trabalho, a Felfort, houve uma luta no ano de 2009 em que
se formou uma comissão operaria independente. Lamentavelmente a que tínhamos
antes – faz 25 anos que trabalho aqui, e até então sempre foi assim – eram
sempre controladas pela burocracia sindical ou pela empresa.
Rodolfo
“Cacho” Vidal:
Não havia reclamações contra o patrão, não havia luta havia muito o que fazer,
e, como colocou meu companheiro, depois de 2009, começou uma mudança em muitos
lugares. Aqui se começou a lutar por um montão de coisas, e foi isto o que
seguimos fazendo, e tem muito oque fazer.
Em 2012 formamos uma lista de oposição à
direção sindical, a “lista Bordó”, junto com outras comissões de fabrica e
outras agremiações, e em pouco tempo ganhamos 40% dos votos. Só não ganhamos
mais porque teve muita fraude. Há, é claro, também muita gente que não é filiada
ao sindicato, porque discorda de suas políticas, e lamentavelmente estas
pessoas não tem direito a voto.
Seguimos, portanto, lutando para que as
pessoas se filiem ao sindicato, para recuperarmos o sindicato e colocá-lo nas
mãos dos trabalhadores, e travem uma luta a nível nacional para que possamos
construir um governo e sindicato operário e popular. Esta é a luta que tocamos
aqui na fábrica com os companheiros. Hoje já temos outros companheiros em
outras fábricas.
Não é fácil, mais a luta vai crescendo,
dia a dia, luta em luta. Panfletando para os trabalhadores, como fizemos hoje juntos
a vocês, vendendo jornal, fazendo assembleias permanentemente e comunicando a
eles sobre tudo que acontece no país. Não queremos que os trabalhadores se
deixem enganar por discursos lindos de rostos bonitos que são falsos, como os
de todos os governos que já tivemos até hoje, que foram todos governos dos
patrões.
O que queremos é a revolução, como disse
meu companheiro, para que os trabalhadores possam governar. Este é o tema mais
importante, porque os trabalhadores pensam que sua vida se reduz a trabalhar, e
é preciso conscientizá-los que isto não é verdade. Que temos que governar, e
nesta luta estamos todos os dias.
Aldo: podes explicar
ao publico brasileiro a diferença entre os sindicatos e as comissões de fabrica
e como elas se relacionam entre si?
Franco
“Idoeta”:
Pelo que entendo, a estrutura sindical brasileira foi construída a partir das
políticas de Getúlio Vargas, que organizou a formação da estrutura sindical, na
Argentina tivemos o mesmo com Peron.
A diferença com o Brasil é que aqui os
delegados de fábrica, que integram o corpo orgânico do sindicato, são eleitos
diretamente pela base. Isto dá espaço para nós, e é um grande avanço
legislativo, porque mesmo que o sindicato segue sendo rígido e estatal como no Brasil,
esta parte dos delegados é muito mais democrática. Ela permite que os
trabalhadores se envolvam diretamente nos processos de eleição de delegado, sem
ter de ser, inclusive, membros filiados ao sindicato. Isto tudo é muito
importante, por isto que o processo é tão rico no surgimento de delegados, ele
expressa, da forma menos distorcida possível, a vontade da base.
Aldo: Qual o peso da
esquerda no processo? Os delegados se entendem ideologicamente como parte da
esquerda ou apenas como operários lutando contra os patrões?
Franco
“Idoeta”:
A esquerda conseguiu captar uma minoria importante dos delegados, porem não a
maioria. Infelizmente isto se da pela dispersão da esquerda na Argentina.
Muitos destes ativistas votam na esquerda, inclusive porque há uma base mínima, digamos de forma simplificada, uma base mínima no qual os companheiros reconhecem os da esquerda como combativos. Se vota na esquerda porque ela é combativa e honesta. Depois tem processos que se abortam, fracassam, por politicas erradas, porém os companheiros em geral vem os da esquerda como honestos, principalmente em oposição a quem vem da estrutura sindical, que são vistos como corruptos, entreguistas e burocratas. Na fábrica que trabalho tínhamos delegados para quem se um trabalhador fosse reclamar ou falar de um problema, muito provavelmente este delegado o entregaria aos patrões que o demitiram.
Rodrigo
Claudio:
A Kraft, uma fábrica muito importante do ramo no qual vocês trabalham, o da
alimentação, viu sua comissão de delegados sofrer uma derrota muito grande sob
a direção do PTS, o que vocês pensam sobre esta derrota?
Franco
“Idoeta”:
Fizemos um balanço que eles se separaram da base. Tomaram medidas de forma
separada à base e acabaram pagando por isto. La ocorre ao contrario do que
ocorre entre nós na Felfort, aqui tudo que a base decide, aplicamos. Não
fazemos nada que a base não permite. Acreditamos que essa é a forma mais
correta.
O que parece ter sido o principal
problema na Kraft foi que ignoraram a participação aos trabalhadores, e os
trabalhadores devolvem. Isto foi uma grande derrota, porque a Kraft era uma fábrica
muito grande e importante, uma referência de luta. Esperamos que eles não
repitam os erros que cometeram e voltem a trabalhar conosco.
Agora, é difícil recuperar algo, é
difícil manter, mais é ainda mais difícil retomar sua posição política em uma
fábrica. É isto o que nós queremos evitar, consultar todos e antes de atuar
pensar muito e ter certeza que temos apoio da maioria dos trabalhadores. Assim
sempre fazemos.
Rodolfo
“Cacho” Vidal:
Há outra coisa importante de se mencionar ligado ao período que vivemos na Argentina.
A dois anos vem ocorrendo um alinhamento dos sindicatos com as patronais e o
governo para impedir com que as comissões internas seja tomada pelos
trabalhadores combativos. A um ataque conjunto de anulação da eleição de
delegados, de delegações de fábricas inteiras, ataques de todo tipo. Isto com
cumplicidade da justiça. Isto não havia há um tempo atrás.
Neste contexto, mais que nunca é preciso
que se atue em conjunto com a base. Os companheiros do PTS tem uma linha de
“democracia dos que lutam”. Na Kraft há aproximadamente 2.500 trabalhadores, eles
fizeram paralizações com assembleias atendidas por apenas 300 operários, isto
quer dizer que há algo acontecendo por ai. Não pode submeter-se 2.000 a vontade
de 300. Não se pode intervir no movimento operário desta forma elitista.
Nós cometemos muitos erros, temos muitos
limites, não somos perfeitos, mais fazemos os erros junto à base, sempre junto
a base para aprendermos juntos a ela. Se os trabalhadores votam contra,
respeitamos a sua vontade. Por isto, dizemos, só se faz o que a base permite.
Rodrigo
Claudio:
O processo da luta derrotada em LEAR e Gestamp, foi o mesmo problema?
Franco
“Idoeta”:
Foram derrotas que estamos sofrendo todos. Porque são derrotas que atingem a
todo o movimento operário. No sindicato de alimentação para nós da esquerda
agora temos uma fábrica a menos. Isto enfraquece montar uma chapa de oposição
contra a burocracia.
Aldo: O governo dos Kirshner
sempre teve apoio entre os operários, como hoje está a relação entre o
movimento e o candidato governista, Scioli?
Rodolfo “Cacho” Vidal: Há um processo de ruptura. Quando o governo assumiu, há 12 anos, a economia crescia com a alta do preço das commodities. Agora, porém, com a crise econômica mundial e as politicas de ajuste, nada escapa esta realidade. O governo, já faz bastante tempo que vem aplicando o ajuste pela via da inflação. Ano a ano a inflação, de 40% ao ano, come os salários, pois o governo faz de tudo possível para impedir que o salário suba para além de 27% – 28%.
Tem também sindicatos como a federação
dos aceiteros, com uma luta muito dura e um exemplo para todos nós. Lá, eles
derrotaram este teto e conseguiu 36% de reajuste, que foi a melhor que já
conseguimos. O nosso reajuste, por exemplo, foi de 25%.
Por isto está ocorrendo uma ruptura
importante, parte disso se expressa na votação que tem conseguido a Frente de
Esquerda (FIT), 1 milhão e meio de votos para um deputado pela esquerda, algo que
nunca aconteceu; são resultados históricos.
Aldo: Por último,
vocês querem deixar um recado para os operários e para a esquerda brasileira,
aqui desde a Argentina?
Franco
“Idoeta”: Bom,
seguimos de perto a realidade brasileira. Ficamos com grandes esperanças quando
vimos o despertar do movimento dos trabalhadores brasileiros, como há anos não
acontecia. Estamos com grandes esperanças, os operários de todos os países
temos que buscar se unir, mas mais ainda os operários brasileiros e argentinos,
porque estamos enfrentando o mesmo inimigo e temos um futuro em comum que temos
que construir juntos.
Estamos muito felizes com o que se passa
aqui com a FIT, com a luta sindical e política, sobretudo porque a luta é política
e tem que se expressar na construção de um grande partido que represente nossos
interesses. Nós temos que estar na altura de executar isto, pois a última
palavra tem de ser da massa e os trabalhadores.
Eu também queria mandar um abraço grande
a todos os companheiros que conheci em 2010 quando fui a Santos no congresso de
Conlutas. Conheci muitas pessoas e vi como se votavam as coisas. Uma das coisas
que mais me emocionou foi com a democracia funcionava, como se decidia as
coisas. E havia também muita gente, eu fiquei com isso gravado, sendo assim,
mando um abraço para todos e seguimos todos juntos e firmes na luta.