Por Martin Hernandez, da Direção da LIT-QI - texto publicado na Marxismo Nova Época 1 - Texto de 2010
No
interior da LIT, temos estudado há alguns anos a situação cubana e
debatido o caráter desse Estado, bem como o programa decorrente desse
caráter. A LIT ainda não tomou uma posição definitiva (o que será feito
no seu próximo Congresso Mundial, em 2011), no entanto, várias das suas
organizações e dirigentes (entre eles, o autor deste trabalho), por meio
de intervenções orais e/ou escritas, se pronunciaram, de forma
categórica, afirmando que em Cuba, como nos demais ex-Estados operários,
o capitalismo já foi restaurado.
A afirmação anterior não
significa pôr um sinal de igual entre Cuba e o resto dos países
latino-americanos, já que, naquele país, apesar da restauração do
capitalismo, por ter ocorrido uma revolução socialista triunfante (a
única em todo o continente), sobrevive uma série de conquistas sociais
que não existem nos outros países.
No entanto, a diferença
fundamental entre Cuba e os outros países não é essa. A diferença
fundamental é que, nos demais países da região, as massas derrubaram as
diferentes ditaduras e, embora a classe operária e o povo não tenham
conseguido tomar o poder, conquistaram importantes liberdades
democráticas. Em Cuba, pelo contrário, após a restauração do capitalismo
o que existe é uma ditadura, mas não uma ditadura do proletariado
contra a burguesia, como existia anteriormente, mas uma ditadura
capitalista contra a classe operária e o povo.
Por que esta é a
diferença fundamental com os demais países e não as conquistas sociais
que ainda perduram? Porque essas conquistas sociais, sob o capitalismo,
inevitavelmente irão se perdendo. Na realidade, já estão se perdendo,
como o demonstra, entre outras coisas, o fato de que o pleno emprego não
existe mais. Diante das perdas das conquistas da revolução, mais cedo
ou mais tarde os trabalhadores se verão obrigados a ir à luta em sua
defesa, mas, quando o tentarem, encontrarão uma triste realidade: eles
não terão as mínimas liberdades para organizar essa luta. Pois,
diferentemente dos seus irmãos do resto do continente, não terão direito
a organizar uma greve, nem um sindicato livre da tutela do Estado (nem
sequer uma associação de trabalhadores), nem um partido político
diferente do partido dirigente, nem terão direito a editar um jornal ou a
realizar um ato contra o governo.
Qual é, portanto, a grande
tarefa proposta para a classe operária e o povo cubanos? A mesma que, no
seu momento, esteve proposta nos outros países da região: derrubar essa
ditadura para conquistar as mais amplas liberdades democráticas e para
avançar em direção a uma nova revolução socialista triunfante que, como a
de 1959, exproprie a burguesia, nacional e internacional.
Esta é, em síntese, a posição do setor da LIT a que nos referíamos anteriormente.
Esta
posição provocou uma furiosa reação de um sem-número de dirigentes e
organizações de esquerda, em especial dos partidos comunistas ou
daquelas organizações que têm origem nesses partidos. Por exemplo, no
Brasil, no mês de abril deste ano, o Comitê Central do Partido Comunista
Brasileiro publicou uma declaração intitulada “A mão esquerda da
direita”, em que, entre outras coisas, assinala: “(…) esta internacional
de fachada (a LIT-QI) associa-se ao imperialismo para combater a
Revolução Socialista Cubana (…) os seus pronunciamentos estão a serviço
do imperialismo (…) classificar a Revolução Cubana de “ditadura
capitalista” é fazer o jogo da contrarrevolução”.
Por outro lado,
uma série de organizações que se dizem trotskistas, mas que, por sua
vez, são defensoras dos governos de Cuba e da Venezuela, como não podia
deixar de ser, levam adiante o mesmo tipo de ataque que os partidos
comunistas, só que, normalmente, com maior veemência.
Talvez o
mais curioso, porém, seja a existência de outras organizações que não
são castristas, como é o caso do Novo MAS e do PTS da Argentina, que
também nos atacam duramente com epítetos muito similares aos das
correntes stalinistas.
Dizemos que é curioso porque estas
correntes não só dizem que o capitalismo foi restaurado em praticamente
todos os ex-Estados operários, como opinam que a direção castrista quer a
restauração do capitalismo em Cuba. Então, não se entende por que nos
atacam com tanta fúria. Se eles estivessem realmente convencidos de que a
direção cubana quer a restauração do capitalismo, o que haveria de
estranho que essa direção, como as dos demais Estados operários,
conseguisse o seu objetivo?
Antes de terminar esta introdução,
faz-se necessário um esclarecimento sobre o título deste artigo:
Revolução e contrarrevolução em Cuba.
Desde que Engels escreveu o
seu famoso trabalho, “Revolução e Contrarrevolução na Alemanha”, vários
autores inspiraram-se nesse título para se referir a outros países:
“Revolução e Contrarrevolução na Espanha” (Félix Morrow); “Revolução e
Contrarrevolução na Argentina” (Abelardo Ramos); “Revolução e
Contrarrevolução na Catalunha” (Jorge Semprun).
A nossa corrente
não foi alheia a esta tradição. Assim, Nahuel Moreno, em 1975, escreveu
um extenso trabalho intitulado “Revolução e Contrarrevolução em
Portugal”.
Esse reiterado “plágio” sobre Engels nos fez duvidar
da conveniência de usar o mesmo título para um trabalho sobre Cuba, mas,
ao final, após ler a declaração que citamos do Partido Comunista
Brasileiro, pareceu-nos que dificilmente poderíamos encontrar um título
mais apropriado para abordar a atual problemática cubana.
A
declaração do PCB não oferece um só argumento para demonstrar que em
Cuba não se restaurou o capitalismo. Em vez disso, seguindo fielmente a
velha e repugnante tradição do stalinismo, responde aos que, sim, damos
argumentos para demonstrar o que dizemos, acusando-nos de agentes do
imperialismo. Entretanto, queremos destacar algo positivo na declaração
do PCB. Ela começa com a seguinte frase: “Defender a Revolução Cubana é
uma questão de princípios”. Sem dúvida, uma bela frase, que todo
revolucionário deveria apoiar, só que, na atual situação cubana, é
necessário preencher essa frase de conteúdo, pois se trata de saber:
onde está a revolução e onde está a contrarrevolução em Cuba? Esta é a
grande discussão e, neste sentido, embora a declaração do PCB dê uma
resposta oposta à nossa, ela tem o mérito de entrar no debate sobre este
tema, que acabou inspirando o nosso título.
A importância deste debate
Achamos
que este debate sobre Cuba, além de ser importante, pode chegar a ser
decisivo para o presente e o futuro do conjunto das organizações de
esquerda, em especial da América Latina.
Existe uma tradição na
esquerda, em âmbito mundial, no que se refere à sua postura frente às
ditaduras. Salvo raras exceções (como foi o caso do Partido Comunista da
Argentina, que apoiou o ditador Videla, ou o governo chinês, que apoiou
a ditadura de Pinochet), a esquerda, normalmente, tem estado na
contramão das ditaduras capitalistas e lutou, de uma ou outra forma,
pela sua derrocada. No entanto, esta velha e boa tradição da esquerda
pode estar chegando ao fim.
Se é correto o que nós afirmamos, que
em Cuba faz tempo que o capitalismo foi restaurado e que não existe um
regime democrático burguês, mas, como na China, existe uma ditadura
sustentada no Partido Comunista e nas Forças Armadas, e que em Cuba não
existem as mínimas liberdades democráticas, isto é, se é correto que
Cuba é atualmente uma das poucas ditaduras capitalistas que restam
mundialmente e praticamente a única que resta na América Latina, a
postura da esquerda, frente a esta ditadura, não é uma questão de
detalhe.
Até agora, a esquerda que apoia o governo cubano está
relativamente tranquila porque, para a sua sorte, os trabalhadores
cubanos ainda não manifestaram, publicamente, o seu descontentamento com
as medidas restauracionistas do governo. No entanto, o governo não
parece estar tão tranquilo. Isso é o que explica que Raúl Castro tenha
comparecido, no último dia 31 de outubro, ao Plenário Ampliado do
Conselho Nacional da CTC (Confederação de Trabalhadores Cubanos) para
pedir aos dirigentes sindicais que expliquem às suas bases as bondades
das novas reformas econômicas.
Raúl afirmou que “Cuba vai para o
precipício” se não aplicar essas reformas econômicas (entre elas, a
demissão de 1 milhão de trabalhadores do Estado) e, a partir daí, fez o
seguinte chamado: “Cabe a vocês, desde o Secretariado da CTC até o mais
modesto dirigente, jogar o mesmo papel que no seu momento desempenhou
Lázaro Peña [1], que, com sabedoria e experiência, solicitou, no
histórico XIII Congresso da CTC, em 1973, que se renunciassem às
conquistas arrancadas à burguesia, pois a situação mudava e os operários
eram os donos dos meios de produção. Por exemplo, propôs revogar uma
lei que, cheia de boas intenções, mas incorreta e, portanto,
insustentável do ponto de vista econômico, pagava 100% do salário a quem
se aposentasse com uma conduta exemplar em sua vida laboral.”
Poderão
os irmãos Castro e os dirigentes da central sindical estatal convencer
os trabalhadores de que têm que deixar de lado as conquistas arrancadas à
burguesia? Poderão convencer os trabalhadores de que não têm que
defender os seus postos de trabalho? Poderão convencê-los sobre a
importância de aumentar de forma qualitativa os preços da luz? Poderão
convencer 1 milhão de novos desempregados de que é possível se
transformarem em prósperos comerciantes, trabalhando por conta própria,
como cabeleireiros, alfaiates ou jardineiros?
Pode ser que o
consigam, dado que a direção castrista, em função do seu passado, ainda
tem muito prestígio, mas também pode ser que não o consigam e que, em
Cuba, como na maioria dos outros ex-Estados operários, os trabalhadores e
o povo se levantem contra as consequências das medidas
restauracionistas e comecem a se mobilizar, a fazer greves, a organizar
comissões de luta, novos sindicatos e, inclusive, a apelar à violência
para defender os seus direitos. E se surge um movimento deste tipo, como
é muito provável que ocorra, de que lado vai se colocar a esquerda que
hoje apoia o governo cubano?
Vão se colocar ao lado dos
trabalhadores ou vão sustentar o governo que no passado expropriou a
burguesia, mas que, no presente, está restaurando o capitalismo?
Tudo
indica que essa “esquerda” vai continuar sustentando o governo
(possivelmente com o argumento de que esse movimento dos trabalhadores é
controlado pela CIA e pelos “vermes”). Só que apoiar e/ou sustentar uma
ditadura desse tipo, especialmente na América Latina, onde as massas
têm uma longa tradição de luta antiditatorial, inevitavelmente levará as
organizações que assim o fizerem a mudar o seu caráter, convertendo-se,
objetivamente, em organizações de direita, ou diretamente a
desaparecer.
Este prognóstico pode parecer exagerado, mas seria
bom recordar o que ocorreu com as organizações pró-soviéticas ou
maoístas que sustentaram até o último momento a ex-URSS, a Alemanha
Oriental ou a China quando nesses países já se tinha restaurado o
capitalismo e as massas se tinham levantado contra as ditaduras
“comunistas”. A maioria dessas organizações, que dirigiam ou codirigiam a
classe operária dos seus países e tinham influência de massas, hoje não
existe mais, está reduzida a pequenos grupos ou se transformou em
partidos burgueses.
Por que demoramos tanto a nos dar conta de que na Ex-URSS, no Leste europeu e na China o capitalismo havia sido restaurado?
Embora,
na nossa opinião, o capitalismo tenha sido restaurado em Cuba há
bastante tempo, neste último ano se inicia o debate na esquerda sobre a
existência ou não desse fato.
Não é novidade que surjam esses tipos de dúvidas e polêmicas. O mesmo ocorreu com a restauração nos outros Estados operários.
Por
exemplo, hoje em dia não há nenhum setor da esquerda minimamente sério
que possa deixar de reconhecer que o capitalismo foi restaurado na
ex-URSS, no Leste europeu e na China. No entanto, foi necessário que
passassem muitos anos para que a maioria da esquerda começasse a se
perguntar se o capitalismo havia sido restaurado ou não, e muitos anos
mais para que se reconhecesse que esse fato havia ocorrido.
Por
exemplo, o capitalismo foi restaurado na ex-URSS a partir de 1986; no
entanto, o grande debate na esquerda sobre a existência desse fato
começou quatro ou cinco anos depois e o reconhecimento da restauração,
pela maioria da esquerda, só se deu no início do novo século, isto é, 14
anos depois.
Com a China, a desorientação foi maior ainda. A
restauração se deu a partir de 1978 e só foi reconhecida pela maioria da
esquerda nos últimos tempos, isto é, praticamente 30 anos depois.
Há
uma série de fatores para explicar esta generalizada incompreensão
sobre o que ocorria nos Estados operários burocratizados, mas o fator
fundamental tem a ver com a forma em que se deu a restauração.
Se,
durante a Segunda Guerra Mundial, as tropas de Hitler houvessem vencido
a União Soviética, o capitalismo teria sido restaurado. Se isso tivesse
ocorrido, a esquerda não teria a menor dúvida de que o capitalismo
havia sido restaurado no exato momento em que este fato se produzisse.
Mas
não foi desta forma que se restaurou o capitalismo nos ex-Estados
operários. Não foram setores da burguesia internacional, nem os antigos
burgueses nacionais que levaram adiante essa tarefa. Estes foram os
grandes beneficiados, mas foram os dirigentes dos Partidos Comunistas
que estavam à frente desses Estados que restauraram o capitalismo. E
isso criou uma grande confusão, fundamentalmente pelo fato de que estes
partidos restauraram o capitalismo em nome do socialismo e, mais ainda,
atacando o próprio capitalismo.
Por exemplo, Gorbachov, o pai da
restauração do capitalismo na ex-URSS, dizia em 1987 (um ano após o
começo da restauração no seu país): “houve uma opinião, por exemplo, de
que deveríamos desistir da economia planificada e sancionar o
desemprego. Mas não podemos permitir isso, dado que o nosso objetivo é
fortalecer o socialismo e não substituí-lo por um sistema diferente. O
que nos oferece o Ocidente, em termos de economia, é inaceitável para
nós (…)” [2].
Esta dupla face dos burocratas dos partidos
comunistas no poder pode parecer surpreendente pelo seu grau de
hipocrisia mas, na realidade, ela não tem nada de surpreendente, pois
tem a ver com a própria natureza social de toda a burocracia. Nem a
burguesia nem a classe operária têm motivos para ocultar os seus
propósitos, mas a burocracia, por não ser uma classe social, mas um
parasita da classe operária, sim os tem. Pois, tal como dizia Trotsky:
“Ela esconde os seus rendimentos. Dissimula ou finge não existir como
grupo social” (L. Trotsky, A Revolução Traída, p. 248).
Por
exemplo, um operário não esconde que quer ganhar um salário maior e luta
abertamente por isso. Um patrão não oculta, nem precisa ocultar que
quer aumentar os ganhos da sua empresa e, mais ainda, quando o consegue,
o torna público.
Com o burocrata ocorre o oposto. Ele luta com
todas as suas forças para manter e alargar os seus privilégios, mas não
pode dizê-lo abertamente porque esses privilégios surgem da usurpação do
trabalho dos operários e das migalhas que recebe do patrão e do Estado.
Por isso, para manter e alargar os seus privilégios tem sempre que
ocultar as suas verdadeiras intenções.
As burocracias dirigentes
nesses Estados onde se restaurou o capitalismo não podiam informar os
trabalhadores e o povo sobre seus planos. Não podiam lhes dizer que iam
restaurar o capitalismo e, com isso, acabar com o pleno emprego, com a
saúde e a educação públicas. E muito menos podiam dizer que o seu
objetivo era se converter em novos burgueses para explorar esses mesmos
trabalhadores.
Essas burocracias dirigentes restauraram o
capitalismo dizendo o contrário. Assim, a cada vez que tomavam uma nova
medida para desmontar o antigo Estado operário, diziam que era para
fortalecer o socialismo. E quando não podiam ocultar o caráter
pró-capitalista de uma determinada medida, afirmavam que se inspiravam
em Lenin, que também, com a NEP, fazia concessões ao capitalismo.
Alexandr Yákovlev, um importante intelectual e dirigente do PC russo,
que foi o principal assessor de Gorbachov e o redator da Perestroika,
confessou: Se hoje em dia continuamos citando Lenin, é para ter uma
verdadeira credibilidade ante a opinião pública [3].
Mas a esta
confusão, provocada pelo papel sinistro das burocracias dirigentes,
agregou-se outro problema. A restauração do capitalismo foi um fato
inédito na história da humanidade, que as novas gerações de marxistas
tivemos que tentar decifrar. Não obstante, ninguém sabia,
antecipadamente, quais seriam as características centrais desse
processo.
Em geral, tinha-se a ideia de que só se poderia falar
de restauração do capitalismo quando o grosso dos meios de produção e de
distribuição (fábricas, bancos e terras) deixassem de ser do Estado e
passassem às mãos privadas, e quando o grosso dos trabalhadores fossem
assalariados dessas empresas privadas.
No entanto, em nenhum dos
ex-Estados operários, depois que se deu a restauração, sobreveio a
privatização generalizada das empresas estatais, das terras, dos bancos e
nem sequer da moradia. Por exemplo, na Rússia, em 1989 (três anos após a
restauração do capitalismo) só existiam 10.000 moradias particulares em
todo o país e, em 1992 (seis anos após a restauração), das mais de
200.000 empresas existentes só 1.352 (a maioria pequenas) eram privadas.
Estes
números confundiram-nos completamente, de tal forma que, nos primeiros
anos da restauração, analisando as estatísticas, chegávamos à conclusão
de que não havia restauração ou de que esse processo estava emperrado.
Na
realidade, ninguém tomou em consideração a previsão de Trotsky em
relação a como seria a restauração do capitalismo nos seus primeiros
anos. Ele dizia que se houvesse a restauração, esta se daria, nos
primeiros anos, no marco da propriedade estatal, que foi o que acabou
acontecendo.
Mas, além destes fatores, que criaram confusão e nos
impediram de ver no seu momento que as burocracias dirigentes desses
Estados restaurava o capitalismo, houve mais dois fatores, embora
diferentes, no que se refere às correntes políticas.
As correntes
que tinham referência nos países do Leste, na URSS ou na China
resistiram, até o último momento, a reconhecer a restauração do
capitalismo, pois fazê-lo significava aceitar que eles traíam todas as
revoluções, o que era o mesmo que aceitar que, historicamente, o
trotskismo tinha razão.
No entanto, contraditoriamente, também a
maioria das organizações trotskistas resistiram a reconhecer que a
restauração triunfava. Alguns pela pesada influência do stalinismo e
outros, a maioria, porque em vez de analisar a realidade tal qual era, a
analisavam a partir de um dos prognósticos de Trotsky (aquele que dizia
que a restauração só poderia se impor por meio de uma contrarrevolução
sangrenta) e deixavam de lado o prognóstico fundamental de Trotsky, que
era o que dizia que, se a burocracia continuasse à frente da URSS, a
restauração seria inevitável.
A restauração do capitalismo: um processo internacional do qual nenhum estado operário burocratizado pôde nem podia escapar
Como
dizíamos anteriormente, a ampla maioria da esquerda resistiu a aceitar
que o capitalismo era restaurado nos ex-Estados operários.
Aceitava-se
que o capitalismo era restaurado na Alemanha Oriental (após a
unificação com Alemanha Ocidental), mas não no Leste europeu. Depois,
não houve como negar que também ali se tinha imposto a restauração, mas
se dizia que isso não ocorria na ex-URSS. E quando se aceitou que também
na ex-URSS triunfava a restauração, China e Cuba foram alçadas a
“bastiões do socialismo”.
Essa ideia que corria e que corre na
esquerda, de que em um determinado país se poderia restaurar o
capitalismo e em outros não, mostra uma incompreensão sobre o que foi
este processo.
O que não se entendeu é que, pelo caráter da economia
mundial e, fundamentalmente, pelo caráter desses Estados, eles não
tiveram, especialmente os mais débeis, outra alternativa a não ser ir em
direção ao capitalismo. E o que durante vários anos foi uma tendência
se tornou uma imposição a partir do triunfo da restauração na ex-URSS.
Para entender esse processo em termos teóricos, é necessário remontar a uma polêmica que se deu a partir de 1924 na ex-URSS.
Os
marxistas previam que, com o desenvolvimento do capitalismo, também se
desenvolveriam as suas próprias contradições, a partir das quais
chegaria um momento em que o sistema capitalista travaria, de forma
absoluta, o desenvolvimento das forças produtivas. Quando isso
ocorresse, estaria proposto superar o regime capitalista por meio do
comunismo, um regime no qual não haveria exploradores, nem explorados, e
no qual todos os seus membros receberiam de acordo com a sua
necessidade e contribuiriam de acordo com a sua capacidade, o que
permitiria que as forças produtivas se desenvolvessem de forma
indefinida. Mas os marxistas também previam que não se poderia passar,
de forma imediata, do capitalismo ao comunismo. Que seria necessário
passar por uma fase intermediária, que Marx denominou “primeira fase do
comunismo”, e a que posteriormente se denominou “socialista”.
Esta
primeira fase do comunismo daria origem a uma sociedade que, desde o
seu nascimento, seria superior, do ponto de vista econômico e cultural,
às mais avançadas das sociedades capitalistas.
Partindo desta
visão, a direção do Partido Bolchevique – que dirigia a tomada do poder
pelos operários – nunca entendeu que a sua revolução era um objetivo em
si mesmo. Pelo contrário, conscientes de que essa revolução (feita,
contra a previsão de Marx, em um país sumamente atrasado) não poderia
triunfar se não se estendesse mundialmente, principalmente aos países
mais avançados, viam a sua própria revolução só como uma alavanca para a
revolução mundial. Isso é o que explica que, após a tomada do poder e
no meio da guerra civil, a tarefa central dessa direção tenha sido a
construção da III Internacional, o partido mundial da revolução.
Esta
postura do Partido Bolchevique não era produto de um internacionalismo
em abstrato ou de uma postura moral. Tinha a ver com um entendimento
profundo do caráter da economia mundial e da impossibilidade de se
chegar ao socialismo em âmbito nacional, especialmente na Rússia, um
país povoado majoritariamente por camponeses analfabetos.
Esta
era, como dizíamos antes, a visão de toda a direção do Partido
Bolchevique. Por exemplo, poucos meses após a morte de Lenin, em abril
de 1924, Stalin escreveu: “Bastam os esforços de um país para derrubar a
burguesia, esse é o ensinamento da história da nossa revolução. Mas,
para a vitória definitiva do socialismo, para a organização da produção
socialista, os esforços de um só país, sobretudo se ele é rural como o
nosso, são insuficientes; precisa-se dos esforços reunidos dos
proletariados de vários países avançados”.[4]
No entanto, esta
visão sobre o caráter da revolução e sobre o papel da URSS no plano
internacional começou a ser questionada por Stalin poucos meses após ter
escrito esse texto.
A partir das derrotas do proletariado
europeu e dos primeiros sucessos da economia soviética, Stalin começou a
defender a sua famosa teoria do “socialismo em um só país”. Essa
teoria, tal como o assinalou Trotsky, “expressava o início da
degeneração da III Internacional”.
A nova teoria de Stalin
afirmava que a URSS poderia chegar ao socialismo, isto é, poderia
construir uma sociedade mais avançada que os países mais avançados do
capitalismo, prescindindo da revolução mundial.
Esta elaboração
teórica de Stalin, que negava toda a tradição do marxismo, vai dar
origem a uma dura polêmica com a Oposição de Esquerda, à frente da qual
se colocou León Trotsky.
Em 1926, a Oposição de Esquerda
apresentou um texto em uma assembleia plenária do Comitê Central do
Partido Bolchevique que dizia: “Seria radicalmente equivocado achar que
se pode marchar para o socialismo a um ritmo arbitrariamente decidido
quando nos encontramos cercados pelo capitalismo. A progressão para o
socialismo só será garantida se a distância que separa a nossa indústria
da indústria capitalista avançada diminuir manifesta e concretamente em
vez de aumentar.”
Nesse CC, Stalin conseguiu que se votasse na
contramão das propostas da Oposição com o seguinte argumento: quem quer
fazer intervir aqui o fator internacional nem sequer compreende como se
formula o problema e confunde todas as noções, seja por incompreensão,
seja por um desejo consciente de semear a confusão.
Na década de
1930, esse debate ganhou muita força. Stalin, analisando o crescimento
da economia da URSS, afirmava que esta já chegava ao socialismo e
caminhava rumo ao comunismo.
Conquanto Stalin estivesse
completamente equivocado ao afirmar que a URSS já era socialista, pois
do ponto de vista econômico e cultural ela estava bem longe de alcançar
os países capitalistas mais avançados, não estava equivocado ao
ressaltar o espetacular crescimento da economia soviética. Este
crescimento era tão importante que Trotsky, após analisar as
estatísticas econômicas no seu livro A Revolução Traída, assinalava:
“ainda no caso de que a URSS, por culpa dos seus dirigentes, sucumbisse
aos golpes do exterior – coisa que esperamos firmemente não ver –
ficaria, como legado, o fato indestrutível de que a revolução proletária
foi o única que permitiu a um país atrasado obter em menos de vinte
anos resultados sem precedentes na história…”
No entanto, nesse
mesmo livro, Trotsky destacava que era necessário observar que a
economia soviética crescia muito, mas partindo de níveis muito baixos e
que esse crescimento espetacular, provocado pela expropriação da
burguesia, não se manteria indefinidamente, já que o domínio da economia
mundial por parte do capital imperialista o impediria. Mais ainda, ele
assinalava: “quanto mais tempo a URSS estiver cercada do capitalismo,
tanto mais profunda será a degeneração dos seus tecidos sociais. Um
isolamento indefinido deveria trazer, indefectivelmente, não o
estabelecimento de um comunismo nacional, mas a restauração do
capitalismo (…) a classe operária terá, na sua luta pelo socialismo, que
expropriar a burocracia e, sobre a sua sepultura, poderia colocar este
epitafio: aqui jaz a teoria do socialismo em um só país” [5].
Como
é sabido, apesar de suas várias tentativas na Alemanha Oriental, na
Hungria, na Tchecoslováquia, na Polônia, a classe operária não pôde
expropriar a burocracia. E Stalin e os seus seguidores, por meio de um
verdadeiro genocídio contra os revolucionários e os combatentes
operários, se consolidaram. Isso, tal como o previu Trotsky, levou a que
os estados de transição ao socialismo se transformassem em estados em
transição ao capitalismo.
Sob a condução da burocracia
stalinista, após a guerra civil, a economia russa, em função da
expropriação da burguesia, teve um crescimento que chegou a ser
espetacular, mas isso, na medida em que não triunfava a revolução nos
países mais avançados, não se manteve de forma permanente.
Após a
Segunda Guerra Mundial, com a expropriação da burguesia no Leste
europeu e com o triunfo da revolução chinesa, a URRS deixou de estar tão
isolada do ponto de vista econômico e isso lhe permitiu, ainda sem
levar adiante a revolução mundial, uma sobrevida maior da que se podia
esperar.
No entanto, já no início da década de 50, apareceram
vários sintomas de uma crise importante, não só na URSS, mas no conjunto
dos Estados operários.
No final da década de 50, houve uma
discussão, em todos esses países, sobre a necessidade de se fazer
importantes mudanças, já que, nesse momento, em todas essas economias,
ainda que continuassem crescendo, já se podia detectar uma importante
diminuição desse crescimento.
No início da década de 60, a situação
se tornou ainda mais crítica e as autoridades se viram obrigadas a fazer
importantes reformas, aplicadas em todo o Leste europeu entre os anos
1963 e 1968.
Uma parte importante dessas reformas, para tentar
sair da crise que se iniciava, supunha o necessário relacionamento
comercial com os países mais avançados do mundo. Esses relacionamentos
desenvolveram-se enormemente, a tal ponto que essa etapa foi conhecida
como “A Idade de Ouro do Comércio Leste-Oeste”.
Mas em nenhum
desses países, em função da orientação de Stalin, triunfava a revolução.
E isso fez com que o comércio com eles fosse completamente desigual, de
tal forma que a importação de tecnologia ocidental acabou
desequilibrando a balança comercial desses países e fez com que, no
final da década de 1960, o conjunto das economias vivesse uma situação
crítica.
Para sair da crise, as burocracias dirigentes só tinham
uma saída estratégica: retomar a luta dos bolcheviques para a revolução
mundial, caminho este que não estavam dispostos a seguir. Pior ainda, as
burocracias, em função da defesa dos seus interesses nacionais,
mostravam-se cada vez mais incapazes de estreitar os relacionamentos
entre os diferentes Estados operários, a tal ponto que, com o decorrer
do tempo, chegaríamos não só a atritos, senão guerras entre esses
Estados.
Nesse marco, o passo seguinte das burocracias dirigentes
foi, uma vez mais, apelar ao imperialismo, desta vez à procura de
créditos baratos. E conseguiram, só que, uma vez mais, em função do
domínio do imperialismo sobre a economia mundial, esses créditos baratos
se transformaram em caros e os ex-Estados operários ficaram presos a
uma dívida externa que, assim como a dívida externa das colônias e
semicolônias, tornou-se impagável. Desta forma, o conjunto dos
ex-Estados operários marchava rumo ao abismo.
De todos os Estados
operários, a URSS, em função da sua economia mais desenvolvida e por
ser grande produtor de petróleo e gás, foi a menos afetada pela crise;
no entanto, mesmo assim, os números mostravam uma situação
desesperadora. Entre 1971 e 1985, a taxa de crescimento reduziu-se em
duas vezes e meia. A burocracia, sem outra saída, descarregava a crise
que ela gerava sobre as costas dos trabalhadores. Assim, o dinheiro
destinado à educação, que em 1950 chegava a 10% da renda nacional, no
início dos anos 80 era só 6%; o aumento do consumo per capita, que era
de 5,1% entre os anos 1966 e 1970, no início dos anos 80 era nulo e, o
mais trágico, a expectativa de vida, que em 1972 era de 70 anos, dez
anos depois caía a 60 anos.
Foi em resposta a esta crise
econômica que Gorbachov – levado à secretaria geral do PCUS pela
sinistra KGB – elaborou em 1985 o seu plano de restauração do
capitalismo. Esse plano é votado no XXVII Congresso do PCUS, realizado
no mês de fevereiro de 1986. Nesse congresso também é votada uma nova
direção, integrada majoritariamente pelos restauradores (os
“renovadores”, como eram conhecidos na época). A partir daí, semana a
semana e mês a mês, a burocracia do PCUS foi desmontando o que restava
do antigo Estado operário. Em agosto de 1986, abre-se a economia para as
empresas estrangeiras. No mês de setembro, vota-se a lei sobre
atividades individuais, legalizando o trabalho privado; em junho de
1987, mediante a aprovação da lei de empresas do Estado, acaba-se com o
planejamento econômico central e com o monopólio do comércio exterior.
Em maio de 1988, aprova-se a lei sobre cooperativas, o que possibilita
que, um ano depois, existam 200.000 empresas desse tipo. Em dezembro de
1988, aprova-se um decreto que permite a venda das casas… e esse
processo restauracionista não se deteve mais.
Como se pode ver, a
burocracia dirigente da URSS não teve outra alternativa, frente à crise
econômica sem saída, que se orientar em direção ao capitalismo. No
resto da Europa do Leste, como não podia deixar de ser, por se tratarem
de economias bem mais débeis e mais em crise do que a URSS, ocorreu
exatamente o mesmo.
Muito se falou de dois modelos opostos de
restauração, o da ex-URSS e o resto do Leste europeu, por um lado, e o
da China, por outro.
É verdade que houve diferentes formas de
avançar em direção à restauração. Não só entre a URSS e a China, senão
entre todos os países entre si. Mas as diferenças foram de forma e não
de conteúdo.
Por exemplo, normalmente se diz que a principal
diferença entre o modelo chinês e o da URSS é que no primeiro a
restauração foi levada a cabo por meio do controlo absoluto do Partido
Comunista; no entanto, em relação a isso, não há uma diferença de
modelos. Na URSS e em todos os outros países, o modelo era o mesmo:
restaurar no marco do regime de partido único dos partidos comunistas,
só que, nestes países, as massas enfrentaram e derrubaram esses regimes e
isso fez com que se afetasse todo o processo de restauração no que se
refere à sua forma. Não obstante, de conteúdo, todos os processos de
restauração foram praticamente idênticos, já que em todos eles foi
necessário desmontar a estrutura econômica dos antigos Estados
operários. Por isso, em todos eles, as medidas estiveram dirigidas a
acabar com o monopólio do comércio exterior, com a economia
nacionalizada e com o planejamento econômico central. Mais ainda,
inclusive no que se refere a problemas de forma, os processos foram
muito parecidos (as empresas mistas com capital estrangeiro, as
cooperativas, a desestatização e/ou o aumento dos serviços públicos, a
privatização das moradias, o início de privatização da educação e da
saúde, o fim dos restaurantes públicos e/ou dos cadernos de
racionamento, a privatização da terra ou da produção agrícola, a
liberalização paulatina do sistema bancário).
Que ocorreu em Cuba?
Os
Estados operários, em função dos interesses da burocracia, nunca foram
alavancas para a revolução mundial, senão que todos eles, seguindo
Stalin, tentaram construir o “socialismo em um só país”. Por isso,
nenhum desses Estados pôde escapar da crise econômica sem saída e, por
isso, nenhum deles, para responder a essa crise, pôde fazer outra coisa
que não fosse restaurar o capitalismo.
Nesse marco, Cuba não foi
nem podia ser uma exceção, porque, neste país, a crise econômica,
estrutural e conjuntural (que foi o motor de todos os processos de
restauração) era bem mais profunda do que na maioria dos outros Estados.
Muito
se escreveu e se falou também, e com razão, do salto impressionante
dado por Cuba após a revolução, fundamentalmente no terreno da educação e
da saúde. Mas a realidade é que Cuba, após a revolução, continuou sendo
um país economicamente muito atrasado, a tal ponto que não viveu um
processo de industrialização e a sua economia continuou baseada na
monocultura de cana-de-açúcar, como na época de Batista.
Mas,
justamente porque Cuba tinha essa debilidade estrutural na sua economia
(monocultura de cana-de-açúcar), teve muito mais dificuldades que o
resto dos Estados operários para suportar a crise econômica de que
falamos. Por exemplo, a partir de 1975, a crise crônica de Cuba se
aprofundou em função da brutal queda do preço do açúcar no mercado
mundial.
A respeito desse tema, é bom recordar uma análise feita
em 1982: “(…) o castrismo enfrenta, assim como todos os Estados
burocratizados e totalitários do Leste europeu e da Ásia, uma
impressionante crise econômica, aparentemente sem saída” [6].
Há
uma série de dados que demonstram que essa análise não era exagerada.
Por exemplo, nesse período, as reservas cubanas baixaram de 1,5 bilhão
de dólares para 500 milhões. Por outro lado, ao basear a sua economia na
monocultura de cana-de-açúcar, importava 75% dos cereais que consumia,
68% do aço e 100% do algodão.
Para tentar sair desta situação,
Cuba apelou aos empréstimos externos, da URSS, da França e do Canadá e,
em pouco tempo, criou uma dívida que chegou aos 10 bilhões de dólares –
uma das maiores do mundo, em termos proporcionais à quantidade de
habitantes.
Esta análise sobre a situação econômica de Cuba nos
anos anteriores à restauração é muito importante, porque é necessário
entender que os primeiros Estados operários a sucumbir frente ao
capitalismo foram, como não podia ser de outra forma, os economicamente
mais débeis.
A restauração não começou pela ex-URSS, mas pela
Iugoslávia, a partir de 1965, e não foi por acaso, mas pelo fato de que
essa economia ficou bem mais isolada e, portanto, bem mais debilitada
que as outras, em função da crise com a URSS. Com este caso, uma vez
mais se pôde comprovar como a utopia reacionária da teoria do
“socialismo em um só país” cobrava as suas vítimas. A Iugoslávia,
isolada, sucumbia ao capitalismo enquanto o resto dos Estados operários,
embora em crise, conseguiram sobreviver um tempo maior por fazer parte
de um bloco econômico.
Tampouco foi por acaso que o Estado chinês
seguiu a Iugoslávia rumo à restauração. Naquele país, esse processo se
inicia a partir de 1978 com as chamadas “Quatro Modernizações”. A
restauração do capitalismo na China, a partir desse ano, foi um
subproduto da crise sino-soviética, na qual a grande prejudicada, do
ponto de vista econômico, foi justamente a China.
Nesse marco, a
partir de 1975, Cuba era a candidata natural a se antecipar à China na
sua marcha rumo à restauração. No entanto, isso não se deu porque a URSS
saiu em sua ajuda para salvá-la do desastre inevitável. Assim, entre os
anos 1976 e 1980, ofereceu um subsídio de 2,4 bilhões de dólares anuais
(o que equivalia a 75% das exportações cubanas) e, além disso, a URSS
intensificou o comércio com Cuba a tal ponto que, entre os anos 1977 e
1978, o comércio internacional de Cuba com a URSS, do ponto de vista do
valor, representava 85% do total do seu comércio internacional. No
entanto, toda esta ajuda, ainda que tenha atuado como antídoto, não
superou a crise estrutural da economia cubana. Porque, por um lado, essa
ajuda manteve a debilidade crônica da economia cubana ao perpetuar a
monocultura de cana-de-açúcar e, por outro, aumentou, qualitativamente, a
sua dependência em relação com a URSS.
Estes dois fatores
fizeram com que, pouco tempo depois, a economia cubana explodisse quando
a crise econômica da URSS obrigou este país a diminuir os subsídios e,
fundamentalmente, quando, com a restauração do capitalismo e a
dissolução da URSS, os subsídios foram eliminados e o comércio foi
reduzido substancialmente.
Assim, entre 1989 e 1994, o PIB cubano
caiu 34,3% e as exportações, que chegavam a 5,3 bilhões de dólares,
baixaram para 1,5 bilhão. Chegava a hora, também para a burocracia
dirigente do Estado cubano, de tentar sair da crise restaurando o
capitalismo. Tinha que seguir o exemplo dos outros Estados operários
burocratizados e assim o fez. Para isso, em Cuba foram tomadas
exatamente as mesmas medidas que se tomaram nos demais Estados.
Foi
eliminado o monopólio do comércio exterior que antigamente era
controlado pelo MINCEX (Ministério do Comércio Exterior) e o comércio
exterior passou a ser feito, como em qualquer país capitalista, pelas
diferentes empresas e não pelo Estado.
Por outro lado, em julho
de 1992, reformou-se a Constituição Nacional para legalizar o fim da
economia centralmente planificada (a partir daí, dissolveu-se a Junta
Nacional de Planejamento) e também se estabeleceu o direito a construir
vários tipos de novas empresas. Em 1995, por meio da Lei de
Investimentos Estrangeiros, legalizou-se a propriedade privada dos meios
de produção.
Por se tratar de uma ditadura, o governo cubano não
divulga muitos dados sobre o processo de privatização das antigas
empresas do Estado. Por exemplo, não existe um relatório sobre quem são
os novos empresários cubanos, ainda que haja, sim, muitos relatórios
sobre as novas cooperativas. O governo cubano, seguindo o exemplo dos
outros ex-Estados operários, a partir de 1993 criou as UBPC (Unidades
Básicas de Produção Cooperativa). Essas cooperativas estabeleceram-se
com muita força nas áreas de produção de açúcar (recordemos que Cuba é
um país baseado na monocultura), de tal forma que, já em 1994, tinha
1.555 cooperativas no setor, que cobriam 100% da antiga propriedade
estatal. Os produtores associados nessas cooperativas, assim como ocorre
em muitos países capitalistas com a propriedade do solo, não têm a
propriedade jurídica da terra, mas são os donos do produto e,
consequentemente, repartem entre si os ganhos.
Essas cooperativas
também se desenvolveram em outras áreas. Assim, já em 1994, ocupavam
76% da superfície estatal dedicada ao cultivo do café, 48% do arroz e
42% da superfície estatal para o gado.
Atualmente, no marco de
todas as medidas anteriores, isto é, no marco de uma economia de
mercado, foram tomadas ou se estudam tomar (no próximo congresso do
Partido Comunista Cubano) novas e pesadas medidas, a maioria delas
diretamente contra os interesses imediatos dos trabalhadores. Entre
estas se destacam as demissões, no próximo período, de um milhão de
trabalhadores do Estado, dos quais 500.000 serão dispensados nos
próximos seis meses; a construção de campos de golfe e de condomínios de
alto padrão; a liberação do mercado imobiliário; a abertura de créditos
bancários para as empresas; o fim do caderno de racionamento (pela qual
todos os cubanos recebem a preços muito reduzidos uma série de produtos
de primeira necessidade); o aumento do preço da luz. Ao mesmo tempo,
existe uma série de rumores, ecoados pela imprensa internacional (não
confirmados, nem desmentidos pelo governo cubano), indicando o início da
privatização da assistência médica e do ensino.
Notas:
[1]
Lázaro Peña Gonzalez (1911/1974) líder sindical do stalinismo cubano.
Fundador da CTC em 1939 (foi seu primeiro secretário geral) e da FSM
(Federação Sindical Mundial).
[2] Gorbachov, Mijaíl, Perestroika, nuevas ideas para mi país y el mundo.
[3] Yákovlev, Alexandr, Lo que queremos hacer con La Unión Soviética.
[4] Stalin, Josef., “Bases del leninismo”, citado por Trotsky en su apéndice de La Revolución Traicionada.
[5] Trotsky, León, La Revolución Traicionada.
[6] Moreno, Nahuel, “¿Por qué Fidel negocia en secreto con Reagan?”, Correo Internacional, N.° 6, mayo de 1982.