Uma introdução desde o ponto de vista da classe trabalhadora
Por Diego
Braga - Ilaese
Está
na boca do povo gaúcho, cada vez mais explorado, e no bolso dos
banqueiros, cada vez mais ricos. Trata-se da dívida pública do
Estado do Rio Grande do Sul. A questão, que não é nova, vem de
tempos em tempos sendo levantada pela grande mídia e pelos governos,
que a cada vez reciclam velhos receituários como se fossem soluções,
mas de fato só vêm perpetuando o problema.
As
propostas dos governos, defendidas pelos especialistas -
ideologicamente comprometidos com a ordem capitalista e os interesses
dos ricos - e propagadas pela grande mídia invariavelmente
significam penalizar a população para seguir pagando a dívida, que
contudo só faz aumentar. Propõem privatizações, arrocho salarial
dos servidores, cortes de investimentos públicos em áreas sociais
como saúde e educação, além de constantes aumentos de impostos
sobre o consumo (mantendo isenções fiscais para os grandes
empresários), deixando as coisas ainda mais caras para nós, que
vivemos de salário.
A
receita acima descrita é velha, ainda que apareça reciclada e
apresentada sempre como novidade. Neste ano ela é anunciada pela
boca de Sartori, que, neste campo, dentre outros, não se opõe a seu
antecessor, Tarso Genro. O único resultado obtido com tais medidas é
a garantia do pagamento dos "serviços" da dívida (juros,
amortizações, etc.) aos banqueiros. Pagamento que não a reduz,
antes, a faz aumentar, porque estes pagamentos são feitos direta ou
indiretamente com verbas oriundas de novos empréstimos1,
às custas do sucateamento dos serviços públicos essenciais à
população trabalhadora e da venda de patrimônio público.
No
debate sobre a dívida pública, a classe trabalhadora deve ter uma
posição própria, totalmente distinta das falsas soluções (que na
verdade são parte do problema) propostas pelos governos a serviço
dos empresários e banqueiros. Afinal, a classe trabalhadora tem
interesses imediatos e históricos diametralmente opostos aos dos
patrões e de seus governos. Para podermos conceber qual deve ser a
saída correspondente aos interesses da classe trabalhadora na
questão da dívida gaúcha, é preciso compreender alguns elementos
básicos acerca deste mecanismo que há décadas drena riquezas
produzidas pelos trabalhadores de nosso estado.
1As dívidas contratuais, cujas verbas estão atreladas a projetos específicos, como investimentos, por exemplo, não implicam que os recursos delas oriundos não sejam utilizados para pagar a dívida. Afinal, se a arrecadação do estado não estivesse comprometida com a dívida, os investimentos poderiam ser feitos sem a contratação de novos empréstimos.
1.
A DÍVIDA HOJE
Os
números são pavorosos. O Estado do Rio Grande do Sul deve, hoje, R$
54,8 bilhões, sem contar os precatórios. Precatórios são
obrigações de pagamentos a serem feitos pelo estado, sob ordens da
poder judiciário, devido a alguma condenação. Se contarmos os
precatórios, o valor total da dívida sobe para R$ 59,9 bilhões.
Para se ter uma ideia do que representa este valor astronômico, é
como se cada criança que nasce em nosso estado já viesse ao mundo
com uma dívida de cerca de 5 mil reais2.
E esta pobre criança não fez nada para isso. Aliás, a maioria dos
jovens trabalhadores de hoje nasceu numa época em que o problema da
dívida já era coisa digna daqueles filmes de catástrofe que vez
por outra aparecem nos cinemas. Não fomos nós que fizemos a dívida,
mas somos nós que pagamos por ela.
2Isto, obviamente, sem contar a parte da dívida da União, que os gaúchos compartilham com os demais brasileiros.
E
pagamos caro. Mas para quem? Bem, atualmente, o credor da maior parte
da dívida do RS é a União, que representa o Governo Federal. Um
montante de 90% dos 54,8 bilhões que o estado gaúcho deve é dívida
interna, paga à União com valores baseados em moeda nacional.
Contudo, esta fração nada mais é que a dívida que a União
"comprou" dos antigos credores do RS em 1997 (conforme a
Lei 9.496/97, que explicaremos mais adiante).
Estes credores eram
bancos e instituições financeiras privadas, algumas, inclusive,
estrangeiras. Ou seja, a União passou a ser devedora destas
instituições ao se tornar credora do Rio Grande do Sul. Por isso, o
dinheiro que o Rio Grande do Sul paga todo ano à União segue indo
para os mesmos e velhos cofres desde sempre. Portanto, o destino do
dinheiro gasto pelo RS para pagar os serviços desta dívida interna
não é muito diferente do dos outros 10% entregues por nosso estado
graças à dívida externa, cujos principais credores são o Banco
Mundial, o Interamericano e Banco do Japão.
Hoje,
as dívidas interna e externa na prática se confundem. Na maioria
das vezes, a dívida federal aumenta fruto da emissão de títulos
públicos vendidos no mercado financeiro. As altas taxas de juros
oferecidas pelo governo brasileiro são as maiores responsáveis pelo
crescimento da dívida interna. São também uma espécie de isca
para atrair capital necessário à rolagem (refinanciamento) da
dívida.
Além
disso, nos anos 90, houve a instalação de muitos bancos
estrangeiros no Brasil, e muitos bancos nacionais foram vendidos para
investidores externos. Estes bancos internacionais também
tornaram-se credores da dívida interna, remetendo seus lucros para o
exterior. Como se não bastasse, o governo Lula incentivou os
especuladores com isenção de tributos (Imposto de Renda e CPMF) aos
estrangeiros que investem em títulos da dívida interna brasileira e
na bolsa de valores. Isso diminuiu a receita e a capacidade de
investimento, o que fez pressão para que se emitissem novos títulos,
aumentando a dívida.
Feita
esta observação, é imperioso notar que a fração contabilizada
como externa da dívida do RS é a que mais tem crescido
proporcionalmente nos últimos anos. Por exemplo, em 2011 a dívida
interna era de R$ 40, 7 bilhões (94,2% do total da dívida), a que
se acrescia uma dívida externa de R$, 2,4 bilhões (5,8% da dívida).
Já em 2014, enquanto a dívida interna passou para R$ 49,3 bilhões
(90% da dívida, ou seja, crescimento de mais de 8 bilhões em
valores absolutos, em 3 anos), a dívida externa, neste mesmo ano,
somava assustadores R$ 5, 4 bilhões (cresceu cerca de 3 bilhões em
absoluto, mas isso significa que quase dobrou de peso percentual,
passando de 5,8% para 10% do total de uma dívida em si muito maior).
O
que explica este aumento é o próprio sistema da dívida que, além
de juros, correção, etc, implica que, para pagar os juros e
amortizações da dívida interna, o estado precise contrair novas
dívidas, tomando empréstimo junto a instituições financeiras
estrangeiras, por exemplo. O estado contrai dívidas com instituições
financeiras externas porque o índice de reajuste que incide sobre a
parcela interna da dívida (o IGP-DI) não para de aumentar, além
dos juros no país serem os mais altos do mundo. Os juros cobrados
por instituições externas são menores. Contudo, a desvalorização
do real contribui para o aumento relativo do valor da dívida
externa.
O
último destes empréstimos foi feito no ano passado, pelo governo
Tarso, quando se contratou uma dívida no valor de R$ 280 milhões
com o Banco Mundial. Este empréstimo está vinculado a um projeto do
Banco Mundial chamado BR
State Pension Reform (literalmente:
Reforma
da Previdência Social Estatal do Brasil). Até
2014, 18 estados já receberam recursos deste projeto, tendo o Rio
Grande do Sul se incluído na lista. A reforma da previdência serve,
dentre outras coisas, como mecanismo de liberação de recursos para
o pagamento da dívida.
Esta
é a "assessoria" que o Banco Mundial presta aos governos
como condição para o empréstimo. Exigem a sangria da previdência
social, um ataque aos trabalhadores, como condição para concederem
um empréstimo que, em sua maior parte, será destinado ao pagamento
da dívida à União... que vai parar nos cofres dos bancos! Os
mesmos bancos que emprestaram o tal dinheiro exigindo o ataque às
aposentadorias! Apenas de 2011 a 2014, o volume de crédito oriundo
de bancos estrangeiros liberado para o Rio Grande do Sul foi de quase
4 bilhões de reais. É um mecanismo de sucção de recursos públicos
para cofres privados, um ciclo vicioso sem fim!
Contudo,
para alimentar este sistema da dívida, o RS também toma empréstimos
com instituições estatais do país (BNDES e Banco do Brasil). Entre
2011 e 2014, foram entregues mais de 2 bilhões de reais aos governos
gaúchos. Ao preço de endividar-se cada vez mais, o RS vem pagando
religiosamente os serviços (juros e amortizações) da dívida. Este
pagamento compromete 14,7% da receita corrente líquida o estado.
Isto significa que só no ano passado – e apenas para os serviços
da dívida – foram pagos R$ 3,2 bilhões. Entre 2011 e 2014 o RS
gastou mais de 11 bilhões
só
com juros e amortizações!
Se
esta imensa quantidade de recursos, em vez de ser dada aos
banqueiros, retornasse na forma de investimentos à população que
trabalhou para gerar tamanha riqueza, seria possível,
aproximadamente, asfaltar mais de 2.000 km de estradas (R$ 3
bilhões), construir 2 mil creches públicas para 120 crianças cada,
atendendo a um total de 240 mil crianças (R$ 1,5 bilhão), erguer 50
mil casas populares com 75 m² de área construída cada (R$ 4,5
bilhões) e entregar à população 1.000 unidades básicas de saúde
com 630 m² de área construída cada (R$ 2 bilhões).
Ocorre que os governos do Rio Grande do Sul, do PT
(Olívio e Tarso), do PMDB (Britto, Rigotto e Sartori) e do PSDB
(Yeda), para ficarmos apenas com os mais recentes, têm
sistematicamente garantido os lucros dos banqueiros em detrimento dos
interesses da população. Assim, entregam, anos após ano, bilhões
aos credores através do mecanismo da dívida. Entre 2011 a 2014,
apesar de terem sido pagos 11 bilhões em serviços da dívida, a
mesma cresceu quase R$ 12 bilhões neste período! Quanto mais se
paga, mais a dívida cresce. Atualmente
o valor total da dívida é mais que o dobro do da receita, ou seja,
devemos mais de duas vezes o total de dinheiro de que dispomos. Com
uma dívida de 208% em relação à receita, o Rio Grande do Sul tem
a maior dívida proporcional dentre todos os estados do país.
Em valores absolutos, obviamente, a maior dívida é a de SP, que é
de 183 bilhões de reais. De fato, à exceção de Alagoas, são
justamente os estados mais desenvolvidos e industrializados da
federação (RS, RJ, SP, MG) os que têm maiores dívidas
proporcionais às suas respectivas receitas. Ou seja, justamente onde
há mais receita, onde se produz mais riqueza, criam-se mecanismos
para que estas riquezas não fiquem com os trabalhadores, mas sejam
apropriadas pelos donos de capitais. É para isso que serve a dívida.
É um dos mecanismos de acumulação de capital.
2.
PARA ONDE VAI O DINHEIRO PAGO À UNIÃO?
Como
vimos, atualmente a União é a principal credora da dívida do RS.
Da arrecadação total da União, que inclui os pagamentos das
dívidas feitos pelos estados, quase metade vai diretamente para os
banqueiros credores da dívida federal.
Em
2014, seguindo a cartilha de todos os anos anteriores, cerca de
metade do Orçamento da União foi dedicado exclusivamente ao
pagamento da dívida aos banqueiros daqui e de fora. Os governos do
PT não romperam com a lógica servil ao capital adotada por FHC, Collor, Sarney e pelos militares.
O
dinheiro que o RS paga ano após ano à União não retorna na forma
de investimentos, salário, repasse, etc. Existe todo um arcabouço
legal que obriga que os
recursos recebidos do pagamento da dívida dos estados e municípios
seja usado exclusivamente
para
cumprir os compromissos da dívida por parte da União.
A
Lei 9.496/97, em seu artigo 12, impõe que "A receita
proveniente do pagamento dos refinanciamentos concedidos aos estados
e ao Distrito Federal, nos termos desta Lei, será integralmente
utilizada para abatimento de dívida pública de responsabilidade do
Tesouro Nacional". Por sua vez, a Medida Provisória
1.811/99, em seu artigo 10, prescreve a mesma regra para o âmbito
dos municípios.
A
própria Constituição Federal protege os banqueiros. Seu artigo
166, 3º parágrafo, inciso II, coloca como prioridade os pagamentos
de juros e amortizações da dívida no Orçamento da União. Já o
artigo 164 de mesma Constituição determina que a União só pode
emitir moeda através do Banco Central (BACEN). Ocorre que o BACEN,
pelo mesmo artigo, está proibido de conceder empréstimos ao Tesouro
Nacional, só podendo emprestar para instituições financeiras. O
referido artigo dispõe, ademais, que os saldos de caixa da União
serão depositados no BACEN.
Assim,
o Tesouro precisa se endividar emitindo títulos públicos para
levantar dinheiro (dinheiro que é usado majoritariamente para pagar
serviços da dívida). Quem compra estes títulos são grandes
instituições financeiras, de olho nos juros altíssimos que tais
títulos do Tesouro pagam. O pior é que os compram com recursos que
recebem do BACEN, recursos tirados dos depósitos da União e pelos
quais pagam juros consideravelmente mais baixos. Como se vê, a
dívida do Rio Grande do Sul é apenas uma das engrenagens de um
mecanismo muito maior de drenagem de recursos.
3.
UM BREVE HISTÓRICO DA DÍVIDA
A
simbiose entre o mecanismo da dívida e o capitalismo brasileiro é
antiga. Na sua forma atual, a dívida pública do Rio Grande do Sul
remonta aos tempos da ditadura empresarial-militar que pisoteou o
povo trabalhador do Brasil entre 1964 e 1985. Isto significa que uma
série de governos não eleitos contraíram dívidas. Estas dívidas
continuaram sendo pagas fielmente pelo regime "democrático",
porque este regime não mexeu na estrutura do Estado brasileiro. As
próprias leis, como vimos, o demonstram.
O
Brasil depois de 1985, apesar de formalmente democrático, seguiu
sendo um Estado burguês, um Estado a serviço dos patrões, contra
os trabalhadores. Deste modo, o mecanismo da dívida, herdado do
regime militar, continuou sendo parte integrante deste mesmo Estado
como uma das formas de enriquecer ainda mais os mais ricos, às
custas do sangue e do suor dos mais pobres.
Durante
os três lustros finais do governo militar (1970-1985) a dívida
quase decuplicou
de valor. Fatores principais deste aumento foram: 1) avanço na
penetração do capital imperialista dos EUA na indústria e por
conseguinte nas remessas de lucro para o exterior, isenções
fiscais, etc; 2) empréstimos no exterior para financiar obras de
infraestrutura necessárias à implantação destes capitais
estrangeiros no país ("milagre" brasileiro); 3) governos
estaduais estimulados pela União a se endividarem com o setor
privado para captar recursos para o projeto desenvolvimentista. Até
1993 os estados ainda podiam emitir títulos com a promessa de
pagamento de juros polpudos para quem os comprasse. Os especuladores,
assim, lucravam com os altos juros pagos pelo estado; 4) em 1979 tem
início uma longa alta do petróleo e uma elevação constante e
brutal da taxa de juros. Além disso, a União flexibiliza controle
do endividamento dos estados, que emitem títulos a juros cada vez
maiores; 5) inúmeras fraudes, nas quais bancos e outras instituições
financeiras arrematam títulos da dívida do estado por valor abaixo
do mercado e praticam anatocismo, que nada mais é que a
capitalização
de juros, ou seja, a incorporação
de juros ao principal da dívida para compor a base de cálculo para
novos juros.
Os fatores de número 1, 2 e 5 acima seguem ativos ainda hoje.
Outro
salto relevante no endividamento do RS se deu a partir do Plano Real.
Entre 95 e 2000 o total da dívida aumentou em mais de 30 bilhões de
reais. O Plano Real tirou a autonomia dos estados para emitir títulos
e captar recursos. Apenas a União poderia fazê-lo, como um dos
pilares de controle da inflação previstos no plano. Assim, os
estados não podiam mais se endividar diretamente com o setor
privado, senão através de dívidas contratuais, feitas para
projetos específicos (as dívidas oriundas de títulos, cujos
recursos são livres, são chamadas mobiliárias).
Isto
em si não seria ruim, mas ocorre que o controle da inflação no
Plano Real é feito também na base da manutenção de altíssimas
taxas de juros (as maiores do mundo). O disparo nos juros fez a
dívida aumentar. Com o Plano Real, comprometido boa parte do
orçamento com juros exorbitantes e amortizações, o RS começa a
tomar empréstimos por meio de dívidas contratuais com instituições
financeiras estatais do Brasil e do exterior.
4.
AS FALSAS SOLUÇÕES APRESENTADAS PELOS GOVERNOS
Na
longa história da dívida pública do Rio Grande do Sul, uma série
de medidas, renegociações, refinanciamentos, alterações e planos
diversos já foram implementados, sempre com a promessa de acabar com
o flagelo de ter de pagá-la todos anos e vê-la aumentar. Tais
planos nada resolvem, simplesmente porque pouco são além de formas
de garantir que os governos sigam tendo como levantar recursos para
pagar rolagens e serviços da dívida. O resultado de tais planos,
portanto, invariavelmente foi o aumento da dívida, ao preço de
medidas que penalizam sobretudo a classe trabalhadora e da contínua
drenagem de recursos públicos para credores privados. Recursos que
poderiam ser utilizados em investimentos e serviços para o bem da
população sem a necessidade de contrair empréstimos para tal.
Recentemente, as mais importantes destas falsas soluções vendidas
como panaceia foram a Lei 9.496/97 e a Lei Complementar 148/2015.
4.1.
A Lei 9.496/97
Tratou-se
de uma negociação entre a União e os estados. União “comprou”
as dívidas dos estados com o setor privado3,
passando a ser credora, e refinanciou-as em 30 anos e com juros (de
25% a.a. para 6% a.a.) e índices de reajuste inicialmente menores
(da Selic para o IGP-DI, que à época era inferior), exigindo em
troca uma série de medidas. Estas medidas são as famigeradas "6
metas" do Programa de Reestruturação e de Ajuste Fiscal (PAF)
a que os estados estariam obrigados como contrapartida à compra da
dívida pela União. Ocorre que o
IGP-DI aumentou progressivamente, em níveis muito superiores à
Selic, com auge em 2002, quando subiu 26,4% e a dívida superou em
três vezes a receita do estado. Até 2014, o IGP-DI já cresceu
269%. Trata-se de um dos mais elevados índices de reajuste,
calculado por uma instituição privada (FGV).
³Ao
comprar estes títulos do setor privado, a União pagou um preço
efetivo muito acima do valor que tais títulos tinham no mercado.
Para se ter uma ideia da desvalorização destes títulos – por
causa do grau periclitante de endividamento do estado -, em 91 o
governo Alceu Collares (PDT) teve que oferecer um "prêmios de
risco", nada mais que uma remuneração extra (semelhante aos
calculados pelo "risco país"), além dos já exorbitantes
juros recebidos pelos credores, para 'compensar" os "riscos"
dos especuladores que comprassem novos títulos da dívida gaúcha,
cuja rolagem, com tantos juros cumulativos, era diária. O estado
estava proibido de emitir novos títulos que não fossem para pagar a
rolagem. Só podia se endividar mais se fosse para pagar juros.
As
exigências da lei 9496/97 também incluíam privatizações. No
final do governo Britto venderam-se a Companhia Riograndense de
Telecomunicações e CEEE, o dinheiro arrecadado foi para os
banqueiros, pagando a rolagem da dívida, que como sempre aumentou,
apesar disso, saltando de 29 para 45 bilhões de reais entre 1995 e
1998. Privatizações, portanto, de nada adiantaram, senão para
tornar o RS duas vezes mais pobre: por um lado, mais endividado, por
outro, tendo vendido parte de seu patrimônio. Sartori, contudo, quer
repetir a receita, privatizando mais estatais.
Outro
projeto privatizante foi o PROES. Em 1998, o estado aderiu ao
Programa de Incentivo à Redução da Presença do Setor Público
Estadual na Atividade Financeira Bancária – PROES, criado pela
Medida Provisória nº 2.192-70, que promoveu a transformação da
Caixa Econômica Estadual (CEE) em agência de fomento. No ano 2000,
a parte específica da verba do PROES que estava atrelada ao
compromisso do governo do estado do RS em privatizar o Banco do
Estado do Rio Grande do Sul (BANRISUL) passou a ser considerada como
dívida parte da dívida, em virtude do estado ter optado pela
manutenção da instituição como estatal.
A
verba foi expedida pela União sob a condição de que o Banrisul
fosse privatizado. O governo Olívio não estatizou o Banrisul, como
era parte do plano, mas não devolveu a verba do PROES que estava
veiculada à sua estatização, recebida durante o governo Britto.
Como o plano não foi cumprido e o dinheiro foi utilizado pelo
governo para rolagem da dívida, a verba do PROES foi incorporado ao
passivo da dívida do RS com a União. Atualmente, graças aos juros
e correções, só a parte referente ao PROES totaliza mais de 5
bilhões da dívida gaúcha.
A
Lei 9.496/97 ainda impunha um plano draconiano de ajuste fiscal.
Desde 1998, o acordo oriundo da lei impôs seis metas econômicas
que, na prática, consistem num plano de austeridade ao melhor estilo
do que assola hoje a Grécia. A tabela a seguir4
apresenta a evolução das metas do plano de ajuste fiscal para o Rio
Grande do Sul, quais sejam:
4SECRETARIA DE
FAZENDA DO GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Dívida
Pública Estadual. Relatório Anual 2014. Porto
Alegre: Tesouro do Estado do RS, 2014, 6ª edição.
O
ajuste fiscal não rompe com o mecanismo da dívida. Pelo contrário,
faz parte dele: ataca-se a população trabalhadora para garantir
recursos para os capitalistas. Como mostra a tabela, apesar de ter
cumprido e muitas vezes superado as 6 metas ano após ano, a dívida
seguiu aumentando. A tabela acima mostra, por exemplo, que o
pagamento de salários e benefícios ao servidor em 1998 representava
81% da receita corrente líquida em 1998. Em 2013, já caiu para
67,89%. A meta para 2015 é reduzir a 60%. Já o investimento era de
19% do orçamento em 1998 e caiu para 6,38% em 2013. A meta para 2014
é reduzir para 4,10%.
A
tabela ainda evidencia como reforma do estado fez o valor as
transferências para as estatais cair quase cinco vezes em apenas 3
anos (1998-2000). A arrecadação que mantém benefícios fiscais aos
ricos e penaliza o trabalhador quase quadruplicou no período de
1998-2013. A meta para 2015 é aumentar para mais de 33 milhões de
reais, aumento de 4 milhões só em relação à meta de 2014, de 29
milhões. Apesar de todas estas medidas que penalizam a população,
a dívida, entre 1998 e 2014, aumentou quase 5 bilhões.
E
o atual governador ainda quer nos convencer de que, aplicando a
mesmíssima receita de Tarso, Yeda, Rigotto, Olívio e Britto acima
explicada – apenas intensificando-a por conta da crise –,
conseguiremos solucionar o problema do endividamento, ainda que a
longo prazo, ele mesmo confessa. A história mostra que a aplicação
desta receita, pelo contrário, só fez a dívida aumentar.
4.2.
A Lei Complementar 148/2015
Além
das metas progressivas do ajuste fiscal, almejadas ano a ano pelos
governos de Britto a Sartori, Tarso negociou e Dilma sancionou a Lei
Complementar nº 148, que impôs:
-
Juros calculados e debitados mensalmente de 4% ao ano (antes variavam
de 6 a 9%), sobre o saldo devedor previamente atualizado.
-
A atualização passou a ser calculada mensalmente com base na
variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Ampliado –
IPCA (antes era aplicado o IGP-DI, maior).
-
Esse somatório de atualização mais juros reais ficaria limitado
aos índices da Selic, que são usados para recalcular o estoque da
dívida.
Parece
um avanço, mas, na verdade, tudo isso implicaria numa redução
ínfima da dívida dos estados e municípios. Mesmo assim, o Governo
Federal anunciou, na tarde de 24 de março de 2015, que não cumprirá
a Lei Complementar n o 148/2014. Além disso, e mais importante, a
Lei Complementar não mexeria no mecanismo da dívida, que segue não
questionado, drenando recursos e criando espaços orçamentários
para novos endividamentos, exigindo cada vez mais "austeridade"
e penalizando a população.
Enfim,
a
Lei Complementar 148/2015, sobre a qual Tarso fez tanto alarde, como
se fosse uma vitória, e que a mídia burguesa e seus parceiros
ideológicos vendem como solução possível, na verdade, muda
tudo para que tudo permaneça como está,
seguindo à risca a sugestão do Príncipe de Falconeri (do romance
"O
Leopardo", de
T. Lampedusa).
5.
A CRISE E A DÍVIDA
Outro
argumento utilizado pelos governos federal e estadual, agora, é que
a crise econômica vai agravar o problema do endividamento,
supostamente justificando a necessidade do ajuste fiscal. Ocorre que
o aumento do peso percentual dos serviços da dívida no orçamento
tem pouca relação direta com o desempenho do PIB, como se pode ver
no gráfico abaixo. Portanto, a desculpa de que a crise econômica é
a causa do crescimento da dívida é uma falácia.
6.
BENEFÍCIOS E MALEFÍCIOS FISCAIS
As
receitas prescritas pelos governos do nosso estado para supostamente
superar o problema do endividamento (e na verdade, almejando
perpetuá-lo) sempre consistem em ataques aos trabalhadores. Enquanto
atacam os trabalhadores, o estado, todo ano, deixa de arrecadar
bilhões de reais devido aos benefícios fiscais concedidos aos
grandes empresários, ao agronegócio, ao capital financeiro, etc.
Uma parte das isenções que constituem tais benefícios estão
previstas na própria Constituição Federal.
Do
total de desonerações (isenção ou redução de alíquota) de ICMS
concedidas pelo RS, cerca de 65% beneficia o grande capital (mais de
40% do total para o setor exportador), enquanto apenas 9% foi para
micro e pequenas empresas. Assim, o ICMS incide pesadamente sobre o
consumo, que pesa mais sobre o trabalhador, e Sartori quer
aumentá-lo. Por quê? Ora, o ICMS é um imposto que incide
indiretamente, ou seja, ele vem embutido no preço do produto que se
compra. Quem o paga é o comprador. Além disso, é um tributo
regressivo, pois todos pagam o mesmo valor de imposto por um produto,
independente de qual seja a renda de quem compra. No Rio Grande do
Sul nós pagamos uma alíquota atual é de 17%. Assim, quem ganha
menos, paga proporcionalmente mais ICMS, como se já não bastassem
as isenções concedidas aos grandes capitalistas.
O
ICMS é a principal fonte de receita dos estados e do Distrito
Federal. Assim, principalmente nas costas do trabalhador, o Rio
Grande do Sul arrecadou R$24 bilhões em 2013, ao mesmo tempo em que
deixou de arrecadar outros R$13 bilhões (mais que 50% do total
arrecadado) em grande parte graças aos benefícios ficais concedidos
sobretudo aos grandes empresários. Com 13 bilhões seria possível
investir muito em saúde, educação, obras públicas, etc, como
vimos no início deste artigo.
Portanto,
enquanto os salários dos trabalhadores são arrochados, os
benefícios fiscais concedidos aos bilionários donos de grandes
empresas vêm aumentando. Em 2003 o estado deixou de arrecadar 4,84
bilhões. Com um aumento de cerca de 300% desta data até 2013, o RS
deixou de arrecadar R$ 90,19 bilhões graças a isenções fiscais.
Com esta quantia dava para pagar quase duas vezes o valor total da
dívida, mas para nós, trabalhadores, isto não seria interessante.
Esta
dívida já foi paga diversas vezes. As riquezas acumuladas pelos
grandes empresários na forma de benefícios fiscais concedidos pelos
governos foram geradas pelo esforço dos trabalhadores. Somo nós,
que trabalhamos e geramos riqueza, e não os bancos e os patrões,
quem temos direito a usufruir do fruto de nosso trabalho. Por isso, é
preciso romper com o mecanismo da dívida, que é parte integrante da
formação social capitalista, baseada na exploração de muitos para
a acumulação de riqueza por poucos.
O grande capital nao tem nada a ver com isso... os emprestimos foram feitos por MÁ ADMINISTRAÇÃO e o maior Leão de tudo, é a própria UNIÃO, que perdoou dividas de paises estrangeiros, mas nao perdoa divida de seus compatriotas!
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