Por Valério Arcary - Direção Nacional do PSTU
* texto escrito um dia depois de Lula completar 70 anos, dia 28 de outubro de 2015
Ontem Lula
fez 70 anos e o seu Instituto divulgou uma série de videos de personalidades
que o saudaram e homenagearam.
O Lula de
2015 não é o mesmo Lula de 1979.
As pessoas
mudam.
E Lula mudou
demais, e para muito pior.
Porque
ninguém com alguma experiência na vida se surpreende quando uma liderança de
esquerda de origem intelectual muda de lado.
Isso
aconteceu tantas e tantas vezes, que virou quase uma rotina.
Mas quando
uma liderança de origem operária com as responsabilidades que Lula assumiu se
transforma no contrário do era, esta transformação provoca imensa
desmoralização na vanguarda proletária e socialista.
Muitos vídeos
eram previsíveis e outros um pouco ...surpreendentes.
Chico Buarque
era previsível.
Já a
exposição do vídeo de Sarkosy, não.
Paradoxalmente,
nos diz mais de Lula, do que o vídeo de Guilherme Boulos.
Porque ele e
a classe que ele representa odiavam o Lula de 1979.
Mas se
renderam seduzidos ao Lula que na presidência costurou o pacto social que deu
estabilidade ao capitalismo periférico, quase sem reformas.
Esse é o
papel central dos reformistas diante da história: permitir ao capital ganhar
tempo, desmoralizar o sentido da luta socialista.
Guilherme,
infelizmente, saudou uma saudade, uma memória, uma lembrança, uma nostalgia, um
Lula que não existe mais.
A questão
relevante que a data nos desafia é saber se o lulismo permanecerá ou não como a
principal referência política dos trabalhadores.
Nunca houve
na história contemporânea um matrimônio político indissolúvel da classe
trabalhadora com um partido político, ou uma liderança.
A ruína do
lulismo não será a primeira.
O PC italiano
foi uma potência e entrou em colapso.
O Pasok grego
teve influência imensa e desmoronou.
O peronismo
foi tão forte quanto o lulismo e se transformou em uma caricatura
irreconhecível.
Depois da
crise do mensalão em 2005 o PT preservou, apesar de tudo, uma influência
majoritária no proletariado. Entre 2003 e 2010, Lula fez um governo que recebeu
aplausos quase unânimes do que há de mais reacionário no Brasil e no mundo: de
Maluf a Delfim Neto, de Michel Temer a Henrique Meirelles, de Bush a Sarkozy,
de Merkel a Putin, não faltaram entre os maiores banqueiros, empreiteiros e
latifundiários vozes dispostas a admitir em público o deslumbramento das
classes dominantes de todos os continentes com Lula e o PT.
Não fosse
isso o bastante e, não obstante o impressionante desmascaramento do
financiamento eleitoral através de relações obscenas com o empresariado – uma
rotina de corrupção que o PT sempre denunciou - Lula surpreendeu pela
resiliência de sua autoridade na classe operária. É verdade que as condições de
crescimento econômico internacional entre 2004 e 2008 beneficiaram Lula e o
governo. Mas, não foram somente estas condições externas favoráveis que podem
explicar a perenidade da influência do PT na classe trabalhadora. E tampouco
foram as mais de dez milhões de bolsas família distribuídas. A explicação para
a permanência da influência do petismo nos setorres organizados da classe
trabalhadora exige perspectiva histórica.
A reeleição
de Lula em 2006, e a eleição de Dilma Rousseff em 2010 foram alicerçadas nos
ventos favoráveis da situação econômica mundial entre 2003-2008, e a retomada
do crescimento em 2010: a preservação da inflação baixa, o aumento lento, mas
constante do salário mínimo, a preservação do salário médio, e a diminuição do
desemprego que permitiram o acesso ao crédito, e a extensão de políticas
públicas como o Bolsa-Família. Mas o Brasil começou a mudar desde junho de
2013.
As lutas de
junho de 2013 foram as primeiras grandes mobilizações políticas de massas no
Brasil que não foram dirigidas pelo PT desde 1980. Junho colocou em movimento,
em certo sentido, ainda que parcialmente, uma geração que nasceu depois da
fundação do PT e chegou à vida adulta, em grande medida, depois da eleição de
Lula.
Junho alterou
a relação social de forças, e deixou imprevisível até o último dia o resultado
eleitoral das presidenciais de outubro de 2014.
Entre 1988 e
1994, o PT assumiu o governo de prefeituras e de governos estaduais e fez os
primeiros pactos com a governabilidade. Em nome da consolidação da democracia
não ofereceu resistência à posse de Itamar Franco, ou seja, recusou a luta por
eleições gerais antecipadas, uma solução tão democrática e mais legítima que a
posse do vice de Collor.
Entre 1994 e
2002, via fundos de pensão, e através das participações na gestão de fundos
públicos, a burocracia sindical da CUT, ainda então o principal aparelho de
apoio social da direção do PT, entrou no mundo dos grandes negócios com a
burguesia.
Depois da
eleição de 2002, o PT passou a ter relações orgânicas com o grande capital
brasileiro, e passou a aceitar, com a crise do mensalão, o novo papel cesarista
de Lula como líder incondicional.
E
insubstituível.
O ápice da
influência de Lula anunciava, todavia, a sua ruína. As ilusões reformistas dos
trabalhadores não morrem sozinhas, é claro. Dependem de uma dura experiência
prática: é neste terreno que as grandes massas podem retirar conclusões.
O que tem
caracterizado a situação aberta depois de Junho de 2013 é que este processo se
abriu.
A
reorganização pela esquerda se desenvolve em novas condições.
Agora é
possível.
Permanece
muito difícil, mas é possível.