9 de nov. de 2015

O Lula de 2015 não é o mesmo Lula de 1979 - Por Valério Arcary


Por Valério Arcary - Direção Nacional do PSTU
* texto escrito um dia depois de Lula completar 70 anos, dia 28 de outubro de 2015

Ontem Lula fez 70 anos e o seu Instituto divulgou uma série de videos de personalidades que o saudaram e homenagearam.
O Lula de 2015 não é o mesmo Lula de 1979.
As pessoas mudam.
E Lula mudou demais, e para muito pior.

Porque ninguém com alguma experiência na vida se surpreende quando uma liderança de esquerda de origem intelectual muda de lado.
Isso aconteceu tantas e tantas vezes, que virou quase uma rotina.
Mas quando uma liderança de origem operária com as responsabilidades que Lula assumiu se transforma no contrário do era, esta transformação provoca imensa desmoralização na vanguarda proletária e socialista.
Muitos vídeos eram previsíveis e outros um pouco ...surpreendentes.

Chico Buarque era previsível.
Já a exposição do vídeo de Sarkosy, não.
Paradoxalmente, nos diz mais de Lula, do que o vídeo de Guilherme Boulos.
Porque ele e a classe que ele representa odiavam o Lula de 1979.
Mas se renderam seduzidos ao Lula que na presidência costurou o pacto social que deu estabilidade ao capitalismo periférico, quase sem reformas.
Esse é o papel central dos reformistas diante da história: permitir ao capital ganhar tempo, desmoralizar o sentido da luta socialista.
Guilherme, infelizmente, saudou uma saudade, uma memória, uma lembrança, uma nostalgia, um Lula que não existe mais.

A questão relevante que a data nos desafia é saber se o lulismo permanecerá ou não como a principal referência política dos trabalhadores.
Nunca houve na história contemporânea um matrimônio político indissolúvel da classe trabalhadora com um partido político, ou uma liderança.
A ruína do lulismo não será a primeira.
O PC italiano foi uma potência e entrou em colapso.
O Pasok grego teve influência imensa e desmoronou.
O peronismo foi tão forte quanto o lulismo e se transformou em uma caricatura irreconhecível.

Depois da crise do mensalão em 2005 o PT preservou, apesar de tudo, uma influência majoritária no proletariado. Entre 2003 e 2010, Lula fez um governo que recebeu aplausos quase unânimes do que há de mais reacionário no Brasil e no mundo: de Maluf a Delfim Neto, de Michel Temer a Henrique Meirelles, de Bush a Sarkozy, de Merkel a Putin, não faltaram entre os maiores banqueiros, empreiteiros e latifundiários vozes dispostas a admitir em público o deslumbramento das classes dominantes de todos os continentes com Lula e o PT.

Não fosse isso o bastante e, não obstante o impressionante desmascaramento do financiamento eleitoral através de relações obscenas com o empresariado – uma rotina de corrupção que o PT sempre denunciou - Lula surpreendeu pela resiliência de sua autoridade na classe operária. É verdade que as condições de crescimento econômico internacional entre 2004 e 2008 beneficiaram Lula e o governo. Mas, não foram somente estas condições externas favoráveis que podem explicar a perenidade da influência do PT na classe trabalhadora. E tampouco foram as mais de dez milhões de bolsas família distribuídas. A explicação para a permanência da influência do petismo nos setorres organizados da classe trabalhadora exige perspectiva histórica.

A reeleição de Lula em 2006, e a eleição de Dilma Rousseff em 2010 foram alicerçadas nos ventos favoráveis da situação econômica mundial entre 2003-2008, e a retomada do crescimento em 2010: a preservação da inflação baixa, o aumento lento, mas constante do salário mínimo, a preservação do salário médio, e a diminuição do desemprego que permitiram o acesso ao crédito, e a extensão de políticas públicas como o Bolsa-Família. Mas o Brasil começou a mudar desde junho de 2013.

As lutas de junho de 2013 foram as primeiras grandes mobilizações políticas de massas no Brasil que não foram dirigidas pelo PT desde 1980. Junho colocou em movimento, em certo sentido, ainda que parcialmente, uma geração que nasceu depois da fundação do PT e chegou à vida adulta, em grande medida, depois da eleição de Lula.
Junho alterou a relação social de forças, e deixou imprevisível até o último dia o resultado eleitoral das presidenciais de outubro de 2014.

Entre 1988 e 1994, o PT assumiu o governo de prefeituras e de governos estaduais e fez os primeiros pactos com a governabilidade. Em nome da consolidação da democracia não ofereceu resistência à posse de Itamar Franco, ou seja, recusou a luta por eleições gerais antecipadas, uma solução tão democrática e mais legítima que a posse do vice de Collor.

Entre 1994 e 2002, via fundos de pensão, e através das participações na gestão de fundos públicos, a burocracia sindical da CUT, ainda então o principal aparelho de apoio social da direção do PT, entrou no mundo dos grandes negócios com a burguesia.

Depois da eleição de 2002, o PT passou a ter relações orgânicas com o grande capital brasileiro, e passou a aceitar, com a crise do mensalão, o novo papel cesarista de Lula como líder incondicional.
E insubstituível.

O ápice da influência de Lula anunciava, todavia, a sua ruína. As ilusões reformistas dos trabalhadores não morrem sozinhas, é claro. Dependem de uma dura experiência prática: é neste terreno que as grandes massas podem retirar conclusões.
O que tem caracterizado a situação aberta depois de Junho de 2013 é que este processo se abriu.
A reorganização pela esquerda se desenvolve em novas condições.
Agora é possível.

Permanece muito difícil, mas é possível.

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