Rodrigo Claudio
Aldo Cordeiro Sauda
Conversamos hoje como Ignacio“Nacho” Lavalle, candidato a deputado federal pelo PSTU Argentino e pela FIT -
a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores. Dirigente da juventude do partido, Nacho,
de 28 anos, é o principal candidato de sua organização. Ele nos contou um pouco
sobre a dinâmica da luta de classes em seu país e o funcionamento da FIT, a
frente eleitoral de esquerda que tem hoje 5% das intenções de voto.
Aldo e Rodrigo Claudio: Qual a origem da Frente de Esquerda?
Nacho: A Frente de Esquerda (FIT), criada
em 2011, tem haver diretamente com a situação objetiva da Argentina. Para a
vida dos trabalhadores houve mudanças importantes entre o período em que Nestor
Kirchner elegeu-se presidente, em 2003, e aquele iniciado após 2011, quando surgiu
a FIT. Digo isto porque houveram outras frentes de esquerda antes, mais em 2011
há um divisor de aguas nesta política, marcado por uma mudança concreta na
realidade.
Cristina Kirchner, que no inicio
de seu governo reivindicava para si as bandeiras do movimento dos trabalhadores,
como a questão da soberania nacional, dos direitos humanos e defesa dos
direitos trabalhistas, começou então a adotar um perfil mais atrelado aos
atuais ajustes fiscais. Rompe com os elementos de um governo que havia surgido
originalmente próximo das organizações sindicais, como a CGT, começando a
adotar um perfil de governo burguês clássico. Esta nova realidade foi algo
importante para que defendêssemos a necessidade objetiva de que a esquerda se
unisse em uma frente que intervisse nos sindicatos, universidades, nas greves e
todas as lutas sociais contra o ajuste.
Outro ponto importante é que em
2011, o governo realiza uma reforma eleitoral. Isto será um motivo para o
surgimento da FIT e ao mesmo tempo uma de suas fontes de fragilidade. A
primeira declaração publica da FIT, feita por Jorge Altamira, principal
dirigente do Partido Obreiro (PO) em 2011, antes da frente tornar-se um
fenômeno eleitoral com 1.5 milhões de votos, era que o governo havia obrigado a
esquerda a se unir. A reforma eleitoral colocou o PO, a maior organização
dentro da FIT, em uma posição defensiva.
A & C: O que foi exatamente esta reforma?
N: Surgiu, em 2011, uma nova lei eleitoral.
Ela na prática exigiu que o PO se juntasse com o resto da esquerda para
conseguir superar a nova cláusula de barreira de 1.5% dos votos exigidos para
que um partido pudesse apresentar candidato às eleições presidenciais. Antes da
reforma, a esquerda podia participar automaticamente das eleições, inclusive com
diversas listas. Apesar dos muitos limites que haviam antes de 2011 ligados à
democracia burguesa, não existia a necessidade de um primeiro desempenho, um
verdadeiro filtro, eleitoral.
Vale lembrar que denunciamos com
muita força não só as politicas de ajuste, mas também o PASO, nome dado às
eleições primárias abertas que ocorrem de forma simultânea e obrigatória. Elas foram
denunciadas por serem uma medida para cortar a possibilidade de desenvolvimento
da esquerda e sobretudo impedir que os trabalhadores tivessem suas próprias
alternativas. Ela surge no contexto de um governo que antes se denominava um
governo dos direitos humanos e da soberania nacional e que começa a aplica a chamada
lei anti-terrorista contra ativistas dos movimentos sociais. O governo inicia
também a reprimir o movimento operário com a polícia, que foi algo relativamente
novo. Isto inclusive era um ponto de orgulho do Kirchnerismo, que eles não
jogavam a polícia contra o povo, que era um governo que não reprimia o
movimento dos trabalhadores. Havia, é claro, repressão neste período, porem ela
ocorria de forma muito mais atomizada. Exemplo disto foi o assassinado do jovem
Mariano Ferreyra, um estudante e militante do PO, que foi assassinado pela
polícia, com colaboração da burocracia sindical, por participar de um piquete
contra as políticas de terceirização.
A & C: E qual é o peso hoje que este processo vindo de cima, como resposta
eleitoral a uma mudança legislativa, afeta a FIT?
N: A questão do perfil defensivo dos
partidos majoritários da FIT significou em parte que ela surgiu porque para o
PO e o Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS) - as duas principais
organizações da frente - não havia outra opção. Se disputassem o PASO em
separado não passariam a clausula eleitoral e não poderiam nem participar das
eleições presidenciais.
A verdade é que isto criou uma
dinâmica que limita o potencial da Frente de Esquerda, que também se liga a uma
posição sectária dos partidos majoritários que impedem com que a frente
expresse uma maior unidade nas lutas sociais, que avance na construção da
unidade cotidiana e fortaleça a construção partidária sob as bases deste
desenvolvimento.
Outro limite da FIT é que mesmo sendo
uma frente com um programa que consideramos em termos gerais trotskista e
formados por partidos trotskistas, seu funcionamento, a participação em mesa de
debates, de qual a política eleitoral terá a frente, incluindo quais são os seus
membros, dá-se com um critério burguês; só os partidos que tem a legalidade
burguesa e peso eleitoral tem direito a decidir seus rumos. Então partidos como
o PSTU argentino e outras organizações política não tem poder de voto na FIT.
Além do mais, a forma de se resolver disputas internas para o candidato à
presidência, como ocorrida durante o PASO deste ano entre Altamira, do PO, e
Del Cano, do PTS, foi péssima. Optou-se por diminuir as diferenças entre os
partidos de esquerda através de internas publicas sem nenhum critério classista
ou revolucionário, apenas nos marcos da democracia burguesa. Isso foi um passo atrás
em relação à unidade quem havia sido conquistada previamente, gerando desgastes
no movimento e tirando seu foco da luta contra a austeridade.
Mas estes são os limites. O
grande elemento positivo da FIT foi sua capacidade de conquistar 1.5 milhões de
votos, algo histórico para o trotskismo. Acho que não existiu, na historia do
trotskismo mundial, uma votação tão alta para a extrema-esquerda.
Em soma, por conta da realidade
imposta, se a esquerda não tivesse de forma unida intervindo em 2011, o
desenvolvimento que veio a ocorrer depois nacionalmente, com a FIT se
aproximando de 1.5 milhões de votos, não aconteceria.
A & C: E como funciona a frente como instrumento para entrar nas fabricas e entre
os estudantes? Como afeta a militância cotidiana dos membros do PSTU-Argentina
estar na Frente de Esquerda?
N: Sem duvida a FIT para nós é algo
muito importante. É algo muito progressivo existir a Frente de Esquerda. Tem
muitas contradições, problemas, mas a principal tarefa da esquerda hoje é
trabalhar para desenvolver a FIT e coloca-la a serviço da tarefa central de
enfrentar o ajuste.
Só a existência da Frente de
Esquerda enquanto uma frente que aglutina a esquerda, e ainda mais, ativistas
independentes do movimento que não estão em partidos mais que apoiam e
compartilham das ideias e a iniciativa, gera na classe trabalhadora, entre os
estudantes, uma simpatia muito grande.
O surgimento da FIT, como
iniciativa de unidade da esquerda, é algo histórico inclusive para a classe
trabalhadora Argentina. Que a esquerda, ao invés de ficar se matando entre si, se
junta, e tem candidaturas comuns e um programa conjunto, conquista mais de um
milhão de votos, toda esta potencialidade, esta expectativa e esta esperança,
permite uma construção muito concreta nos locais de trabalho.
É importante mencionar que na
FIT, todos nós participamos das paralizações gerais, mas não existe um
congresso sindical único para organizar o movimento. Uma entidade que coloque
que para enfrentar o ajuste é preciso fazê-lo de forma independente da
burguesia e do governo, independente da burocracia sindical, e exigir das
centrais a greve geral nos lugares de trabalho. Mas a Frente de Esquerda não
faz isto. Não apenas não faz isto como não tem política para isto. Ano passado
aconteceram três encontros de cada um dos três principais partidos da Frente de
Esquerda (Partido Obreiro, Partido dos Tabalhadores Socialistas e Esquerda
Socialista) para realizar este processo. Três encontros sindicais convocados
pelos Três principais partidos de esquerda da FIT para convocar a luta, se
atacando entre si, dificulta a possibilidade de disputarmos as comissões
internas nas fábricas e os estudantes contra a burocracia.
Este problema de sectarismo, por
exemplo, gerou muitos problemas nas fábricas em que a esquerda atua. Inclusive
fábricas em que integramos a comissão interna, em que há risco de fraude às
eleições sindicais pela burocracia, pela patronal, pelo ministério do trabalho...
O PTS, por exemplo, que tinha militantes dentro de uma fabrica, a Felfort, faz
uma campanha contra a comissão interna, e não contra a patronal dois dias antes
das eleições da comissão
Estes fenômenos são concretos,
reais, físicos, medíveis, e afeta o nível de consciência da vanguarda. Porque a
vanguarda conhece estas questões internas, enquanto a massa na há vê. A massa
vê o fenômeno da frente de esquerda, que eles se juntaram, que tiveram muitos
votos, lutam contra o ajuste, mas nos lugares em que queremos construir o
partido estas contradições têm efeitos muito diretos, inclusive na
universidade. Mas é um fenômeno de conjunto muito positivo.
A & C: E como este processo se liga ao desgaste mais geral do Kirchnerismo?
N: A classe trabalhadora Argentina, em
2001, sai muito brava com toda a situação politica, defendendo o “que se vão
todos”, rompendo na prática com o regime político e suas instituições. Neste
momento que surge o kirchnerismo, com apoio do imperialismo, para fechar este processo.
A proposta de estabilização era
clara, o Kirchnerismo diria para os trabalhadores aquilo que eles queriam
ouvir, inclusive um discurso de enfrentamento com o imperialismo, porem ao
mesmo tempo aplicando uma política econômica pró-imperialista. Dentro destes
marcos, o imperialismo permitiu que o governo não pagasse a divida por dois
anos, e aplicasse este dinheiro em programas sociais, mas depois, voltaria a
paga-la. Dentro destes marcos, porém, dá aos trabalhadores concessões
concretas.
Os empregos desde 2001 cresceram,
com trabalho precarizado, sem carteira de trabalho, mas cresceram, em alguns
casos inclusive impulsionados diretamente pelos programas de emprego do
governo. Porém, o que acontece de forma mais acentuada a partir de 2011 e principalmente
depois de 2013 é que a classe trabalhadora argentina, conquistada
ideologicamente principalmente pelo modelo de governo de Nestor e de forma mais
contraditória com Cristina, porém dentro deste um modelo mais global Kirchnerista,
começa a perder suas ilusões.
Inicialmente acreditava-se que os
Kirchner eram uma saída para melhorar a vida cotidiana dos trabalhadores. A experiência
com esta realidade, porém, foi muito concreta. Em 2014, meio milhão de empregos
foram encerrados por conta da crise. Hoje, 40% dos trabalhadores não tem
carteira assinada ou direitos sindicais. E esta ruptura dos trabalhadores com o
governo integra um processo mundial, ligado diretamente às politicas de ajuste
que passam a atingir mais forte a Argentina atualmente.
A & C: Aonde, exatamente, entra a questão da crise econômica mundial neste
cenário?
N: A crise mundial na Argentina tem
se desenvolvido de uma maneira intensa não só em velocidade mas também em
profundidade. Na América Latina se dizia que a crise não entraria com força,
porem não foi isto o que aconteceu. Este discurso tinha a ver com a natureza de
uma série de governos que junto ao Kirchnerismo e com diferentes perfis,
dependendo também do processo político de cada país, assumiram o poder, criando
grandes expectativas. Digo dos governos de Frente Popular, castro-chavistas,
com características populistas, Evo Morales, Chavez, agora Maduro, Dilma no
Brasil, os Kirchner na Argentina. Inicialmente, governam com a economia em
crescimento, com a exportação de soja, matérias primas, etc. Porém, entram
rapidamente, pelo menos nos últimos dois anos, numa situação de crise econômica
muito profunda.
Essa forma de governar que aqui
na Argentina denominamos o modelo Kirchnerista, tem limites objetivos, não é só
uma questão de vontade de governar bem ou não. Objetivamente o estado nacional
está pagando 13 bilhões de dólares anuais de dívida externa, a projeção para
ano que vem é que vai duplicar. Isso, para o nosso PIB, é um golpe muito forte.
Implicará em ataques à economia estatal, à educação pública e à saúde. Dentro
destes marcos, em 2011 e 2012 começa a mudar a consciência dos trabalhadores,
eles começam a compreender que na verdade o Kirchnerismo pode ser que não seja
esse bote salva-vidas que venha salvá-los da crise. Começam a ver que esses
governos têm limitações. Entre outras expressões disto, está o baixo nível de
entusiasmo no candidato governista nas atuais eleições.
A & C: E como este processo de ruptura se da a nível sindical e político?
N: A nível sindical, o Kirchnerismo,
primeiro negociando e depois cooptando as principais direções sindicais da
Argentina, conseguiu amordaçar o movimento operário industrial. Por exemplo, atualmente
temos cinco centrais sindicais, que dirigem de alguma forma o movimento
operário e de trabalhadores. São três CGT e duas CTA. Dessas está a de Moyano, principal
burocrata sindical do país, que dirige centralmente o sindicato dos
caminhoneiros. Estamos falando de um sindicato estratégico na Argentina,
sobretudo depois da privatização das estradas de ferro nos anos 90. Inicialmente
era um grande aliado de Nestor Kirchner, cumprindo um papel importante na
defesa do pacto social, mantendo inclusive as condições precarizadas dos
trabalhadores. Porém, agora assumiu uma linha de ruptura com o governo de Cristina.
Uma ruptura que essencialmente se explica porque o governo de Cristina começa a
fazer uma giro de estreitar laços com o empresariado, e não deixar espaço
dentro do próprio governo para a burocracia sindical.
Por fora dele está Calõ, que dirige
a UOM, a federação metalúrgica. Ele atualmente está sendo processado por
lavagem de dinheiro. Aliado direto do governo nacional, ele é extremamente
pelego, como vocês dizem no Brasil. Tambem tem Barrionuevo que dirige um setor
histórico, parte da burocracia mais dura no peronismo e que inclusive nas
greves nacionais saíram junto com Moyano para fazer a paralisação. Por fim tem
a CTA, que organiza centralmente funcionários públicos mas também de outros
sindicatos ligados ao governo nacional e sem nenhum tipo de fratura pública com
o governo.
Atualmente, o grosso do movimento
operário argentino vota no Kirchnerismo mas na fábrica luta contra a burocracia
Kirchnerista. Vocês entendem? Luta contra os Moyano, os Calo, a CTA ... No
entanto, quando tem que votar, vota Kirchnerismo, mas isso também começa a
mudar, centralmente porque como o processo começa pelas condições de vida, por
salário, por trabalho estável, a luta começa pelo sindical.
Nestes marcos, começam a surgir
várias comissões de fábricas internas independentes, anti-burocráticas, não
necessariamente ligadas nem a Frente de Esquerda ou a esquerda trotskista
tradicional, surgindo como um fenômeno independente. Suas reivindicações são
absolutamente sindicais, não colocam uma luta pela independência da classe em
nível político.
O sindicalismo para nós
trotskistas é algo limitado, e em alguns momentos inclusive cumpre um papel
regressivo ao amordaçar os trabalhadores. Como isto se expressa? No processo de
mobilização dos professores houve uma mobilização de milhares de trabalhadores,
com as escolas paradas a mais de um mês na província de Buenos Aires. Ela
ocorreu atravessando os muitos sindicatos e com docentes não filiados a nenhum
sindicato que se auto-organizavam nos locais de trabalho, nas escolas, praças,
para marchar e participar. Bom, a esquerda neste processo atuou de forma
contraditória. O PO, por exemplo, tomou a decisão que nas assembleias só votam
os filiados ao sindicato. Então, se há 300 trabalhadores que querem lutar mas
que não são filiados ao sindicato, eles não podem sequer entrar na assembleia.
Esse processo que nós estamos vendo
começa agora a acontecer de forma generalizada. Em muitos sindicatos pelo país,
ela acaba por se encontrar com os processos da esquerda. Este processo, no
atual momento, começa a ser político. Para nós a ponta do iceberg dele são as
eleições da Frente de Esquerda. Quando começamos em 2011 tínhamos 300 mil votos,
logo depois 500 mil e em 2013 chegamos a 1 milhão e meio de votos nas eleições
legislativas.
Não indicaria uma perspectiva de
votos agora para esse ano, mas creio que vai ser uma eleição muito boa para a Frente
de Esquerda, que possivelmente vai ocupar o quarto lugar. Em suma, a Frente de
Esquerda vem a ocupar um espaço abandonado pelo Kirchnerismo.
A & C: E fora do campo sindical, como se da este processo?
N: Há os fenômenos populares ligados
a esta ruptura, para além do sindical. Por exemplo, o massacre de Once, um
acidente ferroviário, em que um trem se descarrilha, atinge as pessoas na
estação e leva a morte de 50 pessoas. Randazzo, um dos candidatos do kirchnerismo
que acabou não disputado as primárias, alinhado a Cristina, tinha como sua
bandeira, até mesmo porque estava ligado a este setor, a “Revolução Ferroviária”.
Algo, inclusive, já reivindicado pelo kirchnerismo. Com o massacre do
descarrilamento há uma ruptura muito grande, dentro dos marcos da tragédia da
morte de mais de 50 pessoas, fazendo com que ecloda escândalos de corrupção
ferroviária. Elas mostram que o governo não estava fiscalizando a questão,
colocando em risco a vida dos trabalhadores que tem que viajar para trabalhar.
Vale dizer que os 50 mortos eram, é claro, trabalhadores. Isto gerou mobilizações,
indignação, e inclusive rupturas de massas importantes com o governo.
Por conta disto, caiu um
funcionário do governo vinculado diretamente às questões de corrupção. A
justiça o condena a um ano e meio de reclusão em sua própria casa, nem preso
ele vai. Responsável por 50 mortos... estes são elementos que não são apenas
sindicais, mais também políticos, e que aceleram a experiência.
A & C: Esta semana completou 70 anos do primeiro governo de Peron. Moreno
dizia que a maior tarefa da esquerda era ganhar a classe trabalhadora a romper
com o peronismo. Voce acha que é determinante o avanço desta ruptura, que isto é
decisivo para avançar o processo? Neste sentido a FIT tem travado este processo
por não conseguir chamar uma frente única ou uma organização em comum para
organizar as lutas?
N: O kirchnerismo e o peronismo não
são exatamente a mesma coisa. São fenômenos que se relacionam entre si, mais
tem elementos distintos. Com o peronismo, para nós já há uma ruptura histórica.
A nova vanguarda dos trabalhadores não enxerga mais Peron como um ícone
central. Lógico, o peronismo segue existindo na Argentina com enorme peso
político, e disputamos este espaço com eles, só que com outra expectativa.
Agora, de fato, a Frente de Esquerda
tem muitas limitações. A ausência de uma unidade de ação em lutas politicas
importantes, como a ligada à fraude eleitoral ocorrida em Tucuman, ou quando
jogou-se 1 milhão de litros de cianureto em Barrick Gold, a esquerda foi incapaz
de dar uma resposta conjunta a isto. Tivemos, entre os aceiteros, por exemplo,
uma greve muito forte, com mais de 1.200 trabalhadores parados, o porto sem
funcionar direito por um mês, e a Frente não conseguiu, por ausência de uma
política unitária, se envolver diretamente com ela. Isto é uma realidade, um
limite da FIT.
Para nós a certeza é que se a FIT
seguir a política fechada e sectária, de não permitir o ingresso na frente de
novas organizações, inclusive organizações trotskistas, como o Novo MAS e o
MST, que estão de fora da frente, com uma convocatória maior, incluindo as
comissões de fábrica que rompem com o kirchnerismo, combatendo o ajuste, atuando
para construir este polo de luta e resistência, ela, no longo prazo, fracassará.
Se não formos neste caminho a FIT acabará sendo um obstáculo para o cumprimento
desta tarefa.
Depois das eleições, e estou
certo que o Scioli, o candidato de Cristina Kirchner vai ganhar, ocorrerá uma
intensificação na política de austeridade e nos ataques aos trabalhadores. A
dinâmica será mais rápida que a atual. Então a FIT terá de se localizar neste
processo.
A & C: Você fala da vanguarda que rompe com o Kirchnerismo. A FIT tem mais
espaço na juventude, digo a juventude operaria e estudantil?
N: Sim, certamente. Há um fenômeno
combinado. A frente de esquerda tem muito peso na juventude, muito mais que nos
setores etários de 40, 50, 60 anos. Principalmente por ser um fenômeno novo que
inclui em seu perfil de construção gente jovem. Os setores mais jovens tem uma
tendência a se radicalizarem de forma mais rápida. É uma característica desta
nova vanguarda. Na Argentina testemunhamos esta nova vanguarda alguns elementos
específicos, ela surge e se enfrenta diretamente contra o ajuste muitas vezes
inclusive sem medir a consequência de suas ações, isto acontece inclusive nas
fábricas.
Uma vanguarda que nasce sem as
amarras históricas do que é o peronismo, que contra Peron não se faz uma greve,
contra Peron não se luta. Ela surge inclusive fazendo luta diretamente contra a
burocracia peronista. Mas também uma vanguarda que não tem referência política
clara, inclusive nas lutas sindicais, e muitas vezes se degenera e burocratiza
rapidamente. É um fenômeno com esta contradição. Por exemplo, o fenômeno aceitero
(trabalhadores da produção de aceite), em que uma vanguarda de trabalhadores
jovens, com cerca de 30 anos, ganham o sindicato e derrotam a burocracia, sem
um papel dos trotskistas ou da FIT. Se derrota a burocracia sindical, e esta
nova vanguarda toma o sindicato, dirigindo ele inteiramente. Hoje, cumprem um
papel contraditório. Ganharam esta luta com enfrentamento, com bloqueios, com
greves, porem, dois dias após esta grande vitória vem uma greve geral convocada
pelas centrais sindicais, e os mesmos que lideraram aquela luta não participam
dela.
A juventude, portanto, esta no
front desta luta, entrando muitas vezes nos partidos que compõem a FIT, e este
é o polo mais dinâmico deste processo. Agora, também há contradições, e se não
ganhamos esta vanguarda para um projeto político, cairemos em problemas como os
descritos acima, ligados aos problemas da crise de direção.