por Lucas Sena
O
grau de violência no país atinge índices alarmantes. A Organização das Nações
Unidas (ONU), em um estudo divulgado esse mês, aponta que 11% de todos os
homicídios no mundo ocorreram no Brasil. Existe um sentimento de medo
permanente por parte da população. Milhares de pais e mães ficam com um “aperto
no coração” quando seus filhos saem a noite. Se, por um acaso, um familiar não
retorna no horário previsto e se perde o contato telefônico, logo se imagina
que algo de ruim aconteceu. Assim, se soma a todas as “preocupações cotidianas”
como pagar as contas, dar educação aos filhos e cuidar da casa, o medo da
violência na rua.
Esse sentimento tem uma justificativa real: o número de homicídios cresce sem parar. Tivemos um salto nos índices de homicídios no Brasil. Em 1990 ocorreram 16.588 homicídios e em 2010 o número passou para 36.799. Ou seja, em 20 anos o número de assassinatos aumentou 122% (mais que dobrou). Diariamente vemos no noticiário cenas que nos deixam perplexos. Hoje, a média de pessoas mortas por conflito armados no Brasil supera países que estão em guerra, como Iraque, Afeganistão.
O aumento da repressão policial, leis mais rígidas e a ação de “justiceiros” é encarado por muitos, e defendido pela grande mídia, como a solução para o problema da violência. Algumas dessas ideias tornaram-se famosas na internet com grande rapidez, dentre elas: “direitos humanos defendem o bandido e impedem que a polícia tenha uma ação mais contundente” ou “bandido bom é bandido morto” e “senta o dedo”. Declaração que ganhou grande repercussão foi a da jornalista Rachel Sheherazade que em rede nacional justificando a ação de justiceiros falou: “lanço a campanha: adote um bandido”.
Mas afinal, cabe nos perguntarmos se seria a
falta de repressão e de mais polícia a responsável do aumento da criminalidade?
Ou, se os direitos humanos seria a proteção dos “marginais”? Leis brandas são
responsáveis de criar um sentimento de impunidade? Na opinião do PSTU a resposta para todas essas perguntas é
não, vejamos:
Qual o resultado de uma policia
mais “dura”?
Acredita-se que uma polícia sem liberdade para
atuar com maior contundência colabora com a bandidagem. Vamos aos fatos: temos
a polícia que mais mata no mundo, foi responsável por 1.890 mortes somente no ano de 2012[1], comparado
com países muito violentos e que também ostentam grande número de mortes
ocasionadas por policiais como México (1.652 mortes), a África do Sul (706), e
a Venezuela (704), o Brasil está bem na frente.
Esse número, de civis mortos em confrontos com a polícia, diminui drasticamente em países com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) elevado como EUA que tem o 3º melhor IDH, 410 civis foram mortos por policiais, Reino Unido que tem o 26º melhor IDH, 15 civis e Canadá que está na posição 11º de melhor IDH não houve mortes. O Brasil, como já apontado, detém o infeliz título de maior número de mortes de civis ocasionado pela polícia e também está um IDH que está bem longe dos exemplos acima, ostentando a posição 85ª no Ranking dos melhores.
Fica evidente que a polícia que mata mais não é sinônimo de mais segurança e desenvolvimento. Dizer que vivemos em um país violento porque “os direitos humanos não deixam a polícia trabalhar” não é verdade e não condiz com a realidade dos países com maiores IDH. Em outras palavras, polícia mais “dura” não é sinônimo de maior segurança. Mesmo no países mais desenvolvidos a polícia comete excessos, principalmente com as populações mais marginalizadas, como é o caso dos imigrantes latinos e negros nos EUA. Tivemos recentemente dois casos de brasileiros que foram mortos por policiais no exterior que tomaram grande notoriedade, um na Inglaterra e outro na Austrália, o caso Inglês inclusive virou o filme “Jean Charles”.
Os presídios como amplificadores da
violência
Também existe um
mito que no Brasil ninguém é preso, porém no Brasil a população carcerária é a
quarta maior do mundo, 574 mil pessoas, sendo que
dois terços são réus provisórios, que estão aguardando julgamento. Como consequência
disso, os presídios brasileiros estão super lotados e sem infraestrutura. A capacidade
máxima do sistema carcerário brasileiro é de 299 mil, ou seja, temos quase o
dobro de presos que os presídios suportam. Dados do Ministério da
Justiça mostram o ritmo crescente da população carcerária no Brasil: entre
janeiro de 1992 e junho de 2013, enquanto a população cresceu 36%, o número de
pessoas presas aumentou 403,5%. Ou seja, no Brasil se prende muito, e a cada
ano se prende mais. Então o problema não é o número de prisões, que como
apontado aumento muito, porém o índice de homicídios no Brasil também aumenta
sem parar.
Os presídios brasileiros
além de super lotados, tem estruturas básicas para garantir condições de
higiene e segurança fundamentais, colocando os presidiários em condições
sub-humanas. Mesmo assim coloca-se por um setor da mídia a necessidade de
encarcerarmos mais criminosos nessa situação degradante. Recentemente o Jornalista Paulo Bogado, da
rede Bandeirantes RS, deu a seguinte declaração: “estão libertando presos porque não tem espaço na cadeia, tá errado.
Tem que botar cinquenta por metro quadrado”. Ou seja, a população
carcerária já sofre muito e existem setores que acham que tem que sofrer mais,
mas qual é o resultado prático disso?
O fato que em condições sub-humanas e em presídios mega
lotados, os presídios que deveriam funcionar como um espaço para separar o
infrator da sociedade e ressocializá-lo durante a pena, para que novamente na
sociedade não reincida no crime torna-se impossível. Os presídios nessas
condições expõe o preso as grandes facções criminosas que tenta buscar um ponto
de apoio para sobreviver no inferno e acabam integrando dentro da prisão grupos
criminosos. Assim, em muitos casos o infrator sai da cadeia com menores
possibilidades de socialização e volta a cometer crimes. Estudos do CNJ (Conselho Nacional de Justiça)
apontam que taxa de reincidência de crimes por
ex- presidiário no nosso país chega a 70%. Isto quer dizer que sete em cada dez
libertados voltam ao crime. É um dos maiores índices do mundo. Ou seja,
presídio mais “punitivos” não ajudam em nada a reduzir a violência, pelo contrário.
Qual
papel cumprem os ‘justiceiros”?
Por
último, os chamados “justiceiros” começa a ganhar força e adesão de uma parte
da sociedade, que via de regra são playboys, milicianos ou até pessoas a mando
de traficantes para manter a ordem na região. São ações de espancamento,
humilhação e mortes contra supostos criminosos, que não dão nenhum direito de
defesa às vítimas. Muitas vezes, os
espancamentos são contra pessoas que não cometeram crime nenhum, como
recentemente o pedreiro no Rio Grande do Norte que foi amarrado e espancado e
que a própria polícia admitiu que espancaram a pessoa errada. A violência que a polícia comete contra
inocentes como “as Cláudias”, “os Amarildos” e a prisão de Vinicius Romão, estudante de psicologia preso por
engano são também expressão disso, onde inocentes são sentenciados sem direito
a defesa.
Defendemos que as populações dos bairros possam se
organizar para garantir sua defesa, assim como os trabalhadores tem o direito
de organizar a defesa de uma fábrica ocupada ou do latifúndio ocupado. Defendemos a autodefesa dos trabalhadores por
acreditar que os mecanismos de “defesas” tradicionais, como polícia e exército,
na verdade defendem os interesses de uma pequena parte da sociedade, os patrões
e não dos trabalhadores. Mas em nenhum momento significa defender os
espancamentos coletivos dos tais justiceiros. Defendemos que toda pessoa tenha
um julgamento com amplo direito a defesa.
Observamos que todas as medidas que estão sendo adotas
no combate ao crime pelo Estado brasileiro vem saindo pela culatra. A implementação das UPPS não acabou com o tráfico
e o número de desaparecidos nas comunidades saltou de 64 pessoas em 2007 para
98 pessoas em 2012. E mesmo assim um setor social quer a intensificação das
medidas enérgicas do polícia. Raquel Sheherazade é a porta voz dos setores mais
conservadores que a “cada copo de água que bebem sentem mais sede”, sem se
perguntar se não estariam bebendo água salgada. Apenas permanecem na sua ânsia
de beber cada vez mais, na perspectiva que sua sede cesse. Por isso, em nossa opinião é preciso buscar a
essência dos problemas.
Os problemas
sociais como a essência da violência
Os cinco estados brasileiros que tem o maior índice de homicídio são Alagoas, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco, Bahia. Os estados com maior índice de homicídios
são os estados do nordeste, que não por coincidência também são os estados mais
pobres e com a maiores desigualdades sociais. Dentre as
capitais, Maceió, tem o índice alarmante de 109 por 1000 habitantes, ou seja,
mais de 10% da população são vitimas de homicídios!
Mas o problema não é financeiro, nem ter mais dinheiro.
Lembramos que o Brasil é o 6º país mais rico do mundo. Porém, há no país uma
redistribuição de riqueza que está de “cabeça para baixo”, onde o dinheiro
arrecadado pelo Estado brasileiro
através do imposto que em grande parte é da classe trabalhadora e diretamente redistribuído
para os setores mais ricos da sociedade. Quase metade do orçamento, 42%, serve para
os pagamentos da dívida pública, que na verdade vai para os grandes bancos,
potencializando a desigualdade social. O valor
de 1,002 trilhão de reais consumido pela dívida com bancos corresponde a 10
vezes o valor previsto para a saúde, a 12 vezes o valor previsto para a
educação e a 4 vezes mais que o valor previsto para todos os servidores
federais (ativos e aposentados) ou 192 vezes mais que o valor reservado para a
Reforma Agrária. Ou seja, se
governa para os ricos e com isso, o resultado não poderia ser diferente. Existe
uma massa de jovens que são jogados diariamente para o narcotráfico como única
possibilidade de “ascensão social”.
A solução
dos problemas na área de segurança passa, em primeiro lugar, por ter uma
mudança brusca na forma de governar o país, investindo de verdade nas áreas
sociais, interrompendo a distribuição de bilhões de reais para bancos e
multinacionais e investindo nos setores mais carentes como em saúde, educação e
moradia.
Uma política para acabar com a violência
Além
de fortes investimentos nas áreas sociais é preciso reformular a estrutura policial
e prisional no país. É necessário buscar uma série de reformulações na
legislação que enfrente os maiores criminosos, ou seja, os famosos crimes de
colarinho branco e uma política eficaz de combate aos narcotraficantes.
A
polícia precisa mudar. É preciso desmilitarizar a polícia, transformando-a em uma
polícia única e civil, com delegados eleitos nas comunidades sem uma estrutura
hierárquica de patentes. Também deve haver o direito de sindicalização e de
atividade político-ideológica no interior da corporação e de ouvidorias mistas
com representantes da população dos bairros para apurar excessos policiais.
Reformulação
das unidades prisionais, fazendo desses um espaço para trazer novamente os detentos
para vida social. Inclusão de esporte, cultura e educação além de
acompanhamento psicológico e de acompanhamento social durante o cumprimento da
pena e em liberdade. Possibilidade para
que o preso possa trabalhar durante o período em que estiver cumprindo a
detenção, tanto para redução de pena quanto para renda dos familiares. E um
“mutirão” judicial para verificar quais presos tem necessidades de estarem
presos, quais podem cumprir penas alternativas e quais são inocentes.
Por
fim, defendemos a legalização das drogas para acabar com o narcotráfico e
quebrar a espinha dorsal do crime organizado. O consumo de drogas é uma questão
de saúde pública e não de polícia. Devemos combater de forma exemplar os
sonegadores de impostos, corruptos e corruptores, pois estes sugam o dinheiro
dos trabalhadores brasileiros para manter-se no luxo. Comecemos pelos peixes
grandes, pelo criminosos que realmente movimentam milhões de reais colaborando
para a exclusão social de milhões de brasileiros. Afinal de contas, nunca vimos
ninguém defender que um grande empresário sonegador de impostos seja amarrado
em um poste.
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