Não é nada fácil ser mãe na sociedade capitalista
Por Chico da Silva
Neste domingo, dia 10 de maio, é dia das mães. Uma enorme campanha
sobre esta data está tomando conta da TV, dos jornais, das ruas e
também das fábricas. Os empresários se aproveitam desta data para
lucrar com a venda de presentes, os jornais e a TV ganham rios de
dinheiro com campanhas de publicidade dizendo como ser mãe é a
coisa mais incrível do mundo e nas fábricas os patrões fazem
palestras agradecendo as mães e exaltando as virtudes “femininas”
da mulher. Em algumas poucas fábricas, na maior cara de pau,
enquanto tratam as mães operárias com o maior desprezo todos os
dias, os patrões dão pequenos presentes como kits de higiene
pessoal ou cosméticos. Contra essa visão capitalista apresentamos
aqui uma visão operária sobre a questão da maternidade.
Uma mãe dentro da fábrica
Desde a gravidez, uma mulher metalúrgica enfrenta dificuldades
terríveis, a começar pela jornada, ritmo e condições de trabalho,
que nada mudam pelo fato da operária estar grávida ou não. Mesmo
que o artigo 392 das leis trabalhistas garanta a transferência de
função durante a gravidez se a função anterior for prejudicial à
gestação, o patrão não quer saber se a gestante tem necessidades
especiais por carregar uma pessoa na barriga: ela, obrigatoriamente,
tem que cumprir as 44h semanais, produzir a meta diária de peças e
sofrer com as habituais péssimas condições de trabalho.
Além de tudo isso, uma mãe operária ainda sofre com vários outros
problemas, tendo em vista que uma gestante precisa ir ao banheiro
mais vezes, beber mais líquido e se alimentar com mais frequência.
Por essas características, as mulheres grávidas são criticadas
pelos colegas e pela chefia que sempre falam que a mulher “tá
fazendo corpo mole”. Uma gestante pode ficar cansada mais rápido,
afinal seu peso aumenta, o metabolismo fica desregulado e pode
acordar várias vezes durante a noite. Além do mais, se antes já
era ruim trabalhar em tal posição, como de pé com os braços acima
do ombro durante 9h por dia, agora fica horrível. E se antes, por
exemplo, já era muito danoso à saúde respirar o pó do polimento
dos metais, agora existe a possibilidade de causar lesão permanente
também à criança.
Depois que a criança nasce, as dificuldades da mãe operária só
aumentam. Enquanto a média nacional de amamentação no Brasil é de
342 dias, a licença gestante é de apenas 120 dias. A partir de uma
proposta brasileira, a Organização Mundial de Saúde (OMS) começou
a recomendar que a criança receba no mínimo 6 meses de amamentação
exclusiva, isto é, como único alimento. Depois dessa idade, até 2
anos, outros alimentos devem ser introduzidos. Então, a única
justificativa para que a licença maternidade não seja de pelo menos
6 meses é a ganância dos patrões. As mulheres ricas, claro, não
sofrem desse mal: as que trabalham podem ficar afastados do trabalho
quanto tempo quiserem.
Se as mães precisam amamentar, mas a licença maternidade acabou,
não tem outro jeito a não ser amamentar na própria empresa. Para
isso os artigos 396 e 400 da CLT garantem 2 descansos especiais de
meia hora cada para amamentar durante a jornada de trabalho, mais
berçário, saleta de amamentação, cozinha dietética e uma
instalação sanitária para o uso da trabalhadora. Algo que
praticamente nenhuma empresa cumpre. Como vimos, as leis trabalhistas
garantem proteção especial às mães. Porém, como sabemos, dentro
da fábrica essas
leis não valem nada.
Na imensa maioria das vezes a criação dos filhos costuma ser
exclusividade da mãe, constituindo uma verdadeira jornada de
trabalho invisível, gratuita. Um serviço que a mãe faz e que dá
tanto trabalho ou até mais do que o emprego, mas que ela não recebe
nenhuma remuneração por isso. Ou seja, a operária rala o dia
inteiro na fábrica e chega em casa e vai fazer comida, lavar as
roupas dos filhos (e do marido), dar atenção às crianças e ainda
brincar com elas. Quando precisa levar o filho no médico, é o maior
rolo com o chefe e a empresa sempre desconta as horas e também o
repouso remunerado, como se a criança pudesse ir ao médico sozinha.
E ainda tem uma grande questão: com quem deixar os filhos durante o
horário de trabalho?
A falta de creches é um empecilho enorme na vida de uma operária
e na educação das crianças
Segundo dados do IBGE, a falta de creches é o principal motivo para
as mulheres trabalhadoras abandonarem o emprego. Na melhor das
hipóteses, sem ter como pagar uma creche particular ou acessar as
vagas insuficientes da rede pública, muitas vezes as mães acabam
deixando a criança com familiares ou cuidadoras, sem nenhuma
capacitação profissional, sem espaços/equipamentos adequados e
nenhuma segurança.
Apesar de a educação infantil ser um direito da criança até seis
anos de idade, garantido no artigo 7º da Constituição Federal em
seu inciso XXV e na Lei de Diretrizes e Bases de 1996, não existem
vagas suficientes nas creches da rede pública. Pelo contrário,
mesmo se contamos com a rede privada, menos de 2 a cada 10 crianças
brasileiras estão matriculadas em creches.
Rio Grande do Sul: 4º estado mais rico do país está à frente
apenas de Roraima em número de vagas em creches*
Enquanto o Governador Sartori (PMDB) aumenta o salário de deputados,
secretários e juízes (o que vai custar mais de R$ 5,7 milhões aos
cofres públicos), segundo levantamento realizado pelo Tribunal de
Contas do Estado (TCE) o RS possui um déficit de 196,5 mil vagas
para a educação infantil. Na verdade, o número de vagas
necessárias é muito maior, só que o TCE leva em conta as metas do
Plano Nacional de Educação e não a necessidade real. No
Brasil, estima-se que o déficit total de vagas em creches é de 8,4
milhões.
No RS, 84 Municípios (16,9% do total) não possuem atendimento em
creche e 106 Municípios (21,33%) têm creche em tempo parcial
(duração diária inferior a 7 horas). E na imensa maioria das
cidades que possuem creche em tempo integral, a maior parte destas
creches não são públicas.
Das cinco cidades que possuem o menor número de vagas, duas são
formadas por grandes concentrações operárias e estão localizadas
na região metropolitana de Porto Alegre: Alvorada que atende apenas
9,78% das crianças e Viamão que atende apenas 14,6%. Entre as
maiores e mais ricas cidades, Porto Alegre atende apenas 49,75%,
Caxias do Sul (37,54%) e Canoas (23,88%). Vale lembrar que a média
nacional segundo o TCE é de
85,77%.
Canoas aliás ficou famosa no ano passado por ser o centro de um
esquema de corrupção envolvendo o dinheiro destinado à creches. O
mesmo ocorreu em 2008 na cidade de Sapucaia do Sul também na região
metropolitana de Porto Alegre: o prefeito Marcelo Machado (PMDB)
comandou um esquema que desviou pelo menos R$ 1,8 milhões da verba
destinada à merenda escolar.
Assim, mesmo quando se consegue as raras vagas em creches públicas
estas não são em período integral. Mas se a grande maioria das
mulheres trabalham ao menos 8h por dia, mais pelo menos 2h de
locomoção, e a maioria das creches funcionam apenas um turno, então
com quem deixar as crianças no outro turno?
Quem mais sofre com a falta de creches são as mães pobres
Um instituto do governo chamado IPEA apontou que o número de
crianças ricas matriculadas em creches é 3 vezes maior do que as
crianças pobres. Entre os 20% com menor renda, apenas 11,8% das
crianças até 3 anos estavam na escola em 2009. Se levamos em conta
os 20% mais ricos essa taxa supera os 34%. No caso das crianças de 4
e 5 anos, 90% das mais ricas encontram-se matriculadas, enquanto
entre as mais pobres esse índice cai para 62%. Da mesma forma, na
zona rural apenas 8,2% das crianças tem acesso à creche contra
24,1% na zona urbana.
E é incomparável a qualidade das creches dos ricos para a creche
dos pobres. Uma creche de um bairro rico de Porto Alegre oferece ar
condicionado em todos os ambientes, piscina térmica, quadra
poliesportiva, um professor para cada 8 alunos, aulas de dois
idiomas, atendimento nutricional e psicológico individualizado, e
uma infinidade de coisas.
Já nas creches de pobre, salvo raríssimas boas exceções, as
creches que as mães operárias deixam seus filhos são verdadeiros
“depósitos de crianças”. É muito comum as crianças ficarem
sob péssimas condições de higiene e infra estrutura, os
profissionais (quando possuem formação para a função) costumam
ser mau remunerados e falta equipamentos e materiais básicos para o
ensino. Numa situação ainda pior, muitas mulheres metalúrgicas são
obrigadas a deixar seus filhos com “cuidadoras” em cubículos
onde os trabalhadores do local apenas “olham” as crianças.
E mesmo fora das creches a diferença segue sendo um abismo. É comum
que as mulheres ricas, que muitas vezes sequer trabalham, possuam 2
ou 3 babás se revezando 24h apenas para cuidar das crianças.
Dilma, que também é mãe, não está ao lado das mulheres trabalhadoras que precisam de creche
Artigo já publicado pelo PSTU afirma que há 10 anos, a meta do
governo era construir 12 mil unidades, mas foi reduzida pela metade,
para 6 mil. Lula prometeu construir 4.035 creches até o final de seu
segundo mandato, mas entregou apenas 221. Dilma prometeu construir
6.400 creches, mas até outubro de 2013 havia aberto apenas 1.180.
Ela firmou o compromisso de investir R$ 7,6 bilhões do PAC para
construir as 6 mil creches prometidas, no entanto, dados do SIAFI
apontam que até agora foram liberados apenas R$ 1,48 bilhão, ou
seja, apenas 30% dos R$ 4,75 bilhão que o governo deveria ter
executado para de fato cumprir sua meta.
Mas isso não é tudo. Ao editar as Medidas Provisórias 664 e 665,
Dilma dificulta o acesso ao Seguro Desemprego e à pensão por morte
e quem mais será prejudicado com estas medidas são as mães
trabalhadoras. Isso porque são mais vulneráveis às demissões já
que faltam mais ao trabalho por causa dos filhos e às vezes
abandonam mesmo o emprego por não terem com quem deixar. E se os
seus maridos morrerem elas perderão parte fundamental da renda
familiar e não terão a pensão por morte para auxiliar na renda. Ou
terão a pensão, mas com um valor bem menor.
A verdade é que, só na Copa do Mundo do ano passado, o Governo
Federal gastou 30 bilhões de reais, sendo que com 50 bilhões
resolveríamos a questão das creches no Brasil. Então não falta
dinheiro, o problema é que as creches não são uma prioridade para
o governo.
Cobrar dos governantes e dos patrões o direito à creche
O acesso à creche é um direito das mães e das crianças e um dever
do Estado. Devemos cobrar que o governo pare de dar dinheiro aos
bancos e grandes empresas e invista 10% do PIB** na educação,
disponibilizando creches públicas, gratuitas e de qualidade em tempo
integral para 100% das crianças. É por isso que devemos lutar!
Mas até que a gente consiga obrigar o governo a cumprir a lei e
garantir as creches, devemos exigir também das empresas que cumpram
a lei e disponibilizem creches ou auxílio creche para os filhos de
funcionários.
Nós parabenizamos as mães trabalhadoras que contra tudo e apesar de
todos criam seus filhos com dignidade. Mas estamos certos que o
melhor presente de dia das mães que podemos dar é protestar pelo
direito à creche! Conquistar creches será muito importante para
libertar as mães dessa segunda jornada de trabalho, um empecilho
enorme na luta contra o machismo e pela emancipação da mulher.
Dia 29 de maio será um dia nacional de protestos da nossa classe.
Façamos o possível e o impossível para parar a produção, sair às
ruas e mandar um recado aos governos e os patrões: não ao projeto
de lei das terceirizações, as Medidas Provisórias 664 e 665 e os
planos de ajuste do Governo Dilma! As mães trabalhadoras precisam de
creches públicas, gratuitas e de qualidade já para todas as
crianças!
* As estatísticas de creches
no RS apresentadas pelo TCE levam em conta as metas do Plano Nacional
de Educação e não as necessidades reais. Diz por exemplo que falta
196,5 mil vagas em creches para cumprir as metas. Mas esse não é o
número necessário para universalizar o acesso à todas as crianças.
** PIB: produto interno bruto.
É a soma de toda a riqueza produzida no país.
Leia mais: http://www.pstu.org.br/node/20488 http://www.pstu.org.br/node/20217 http://pstuabc.blogspot.com.br/2014/09/educacao-infantil-um-direito-das.html