19 de nov. de 2014

Entrevista com haitiano da classe trabalhadora brasileira




Haitianos que estão no Brasil ocupam os piores postos de trabalho e recebem os piores salários

Por Chico da Silva - Metalúrgico

Haiti: o país mais pobre da América Latina e um dos mais pobres do mundo
 
Em 2014 fez dez anos que tropas brasileiras ocupam o país, numa suposta missão humanitária. Na verdade, a ocupação está a serviço de controlar o povo e a serviço dos grandes empresários norte americanos que exploram a mão de obra mega barata do país.
Muitos trabalhadores haitianos, vivendo sob o caos e a miséria, decidem vir para o Brasil em busca de uma “vida melhor”. Um levantamento feito pelo jornal gaúcho Zero Hora, estima que há cerca de 7 mil haitianos vivendo no RS. Esses trabalhadores são ultra explorados por serem negros e estrangeiros, vindos de um país pobre. Por ironia do destino, nas fábricas em que trabalham têm muito metalúrgico que é ex-soldado e que estiveram na ocupação do Haiti.

Os haitianos que estão no Brasil ocupam os piores postos de trabalho, recebendo os piores salários e tendo que enfrentar todo o tipo de preconceito e discriminação. Como parte das atividades do 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, nosso metalúrgico e militante do PSTU RS, Chico da Silva, entrevistou um trabalhador Haitiano que está morando no Rio Grande do Sul.
Um haitiano da classe trabalhadora brasileira

M* tem 30 anos e ainda está aprendendo a falar português. Veio de Porto Príncipe, capital do Haiti, e está no Brasil há 11 meses. Torce para o Internacional, porque disseram pra ele que era “time de negão” (fala apontando para sua pele), “paixão colorada”, afirma com um sorriso largo. Está atualmente morando na periferia de uma grande cidade da região metropolitana de Porto Alegre com vários outros haitianos.
Desde que chegou aqui, já trabalhou em várias empresas, mas sempre como faxineiro. Diz que é muito bom ter emprego e receber um salário, mas que a grana é muito pouca. Perguntado como é o trabalho no Haiti, responde:

“Não tem trabalho. Não tem emprego. Nada. Só se tu é amigo de alguém da polícia. Algo assim”. 
Conta que o povo haitiano fica perambulando pelas ruas, catando lixo, procurando alguma coisa pra comer nas sobras dos restaurantes, vendendo alguma coisa pros soldados do exército da ONU, ou no máximo trabalhando na obra (construção civil). Perguntei se não tinha gente rica no Haiti e ele respondeu:

“Não muitos. A maioria é tudo pobre. Não tem comida. Lá tem barraca vendendo bolacha de barro com trigo. Dão pras criança e às vezes é tudo que tem pra comer em semanas. Tá sempre faltando água. Luz elétrica muita gente não tem. É um poste de luz a cada quilômetro quase. É esgoto a céu aberto.”
C: E o pessoal do governo é rico?

M: Sim sim, muito rico. E tem os ricos donos das empresa de outros países. Tem um bairro em Porto Príncipe, Pettion Ville, que fica no alto do morro e só tem mansão. Lá, mora só os brancos e com (faz com a mão o gesto de dinheiro). Mas lá o exército não nos deixa chegar.
C: Tem uma barreira lá?

M: Sim. Mas não só lá. Tem várias barreiras pros haitianos não irem.
C: E o exército, como tá lá? Que tu acha?

M: (Faz um gesto com a mão, dando um tapa no ar.)
C: Muita violência?

M: Sim, muita. Tem muita gente morta, os corpos atirados em qualquer lugar, nos bairros mais longes e até atirado no meio da rua mesmo.

M conta que, de uns anos para cá, o exército da ONU começou a utilizar balas de sal (são mais baratas), que são muito piores que as de borracha, porque lá não tem água. Sempre falta água. Daí o sal fica ardendo, queimando, nunca cicatriza. Diz que o exército já chega atirando, não importa se é criança, se é mulher ou se é velho.
Quando pergunto sobre o governo, ele diz: “É muito corrupto. O exército, a polícia, todo mundo muito corrupto. Em tudo!”

C: E a vida das mulheres haitianas como é? Tem mulheres vindo para o Brasil também?
M: As mulheres é mais difícil ainda pra arrumar emprego no Haiti. No Haiti é tudo emprego que precisa de força. Mulher não tem força e muitas não vão pra escola e daí não aprendem nada.  Muita prostituição. As mulheres se vendem pros soldados por meio pacote de ração (cerca de 300g de farelo seco), um prato de comida, qualquer coisa. Tem umas que vieram pro Brasil, mas a maioria não vem. Tem medo de desaparecer no caminho, ser vendida, sei lá... E também tem muito preconceito contra mulher haitiana, ‘tudo aidética’, foi o que minha chefe falou quando eu perguntei se minha namorada viesse ela daria um emprego pra ela. E até as famílias, pai e mãe delas no Haiti, não gostam muito.

Perguntei sobre a família. M disse que tem uma mãe, uma vó e a namorada no Haiti e que manda dinheiro para elas. Disse que, mesmo tendo emprego, é muito difícil vir para outro país, com outra língua, sozinho. Que sofre muito preconceito por ser negro e estrangeiro. Que essas três mulheres é tudo que tem na vida (M começou a chorar), que sente muita falta delas e que um dia quer trazê-las para cá, mas que não pretende voltar para o Haiti.  
*Preservamos sua identidade para que não seja perseguido pela imigração ou pelo patrão

Que os patrões paguem a conta da crise que fizeram

Uma crise econômica de grandes proporções está chegando ao Brasil e demais países da região. A crise econômica é parte da crise internacional que começou com os banqueiros norte americanos e se alastrou para o mundo. É uma crise feita pelas elites, pelos grandões, mas que o povo é quem tá pagando.
É uma crise que só tem duas alternativas: ou é o peão ou é o patrão quem vai sofrer as consequências. Se for o peão, as nossas vidas ficarão ainda pior: maior ritmo de produção, piores condições de trabalho, menos investimentos dos governos em saúde e educação, e mais um monte de coisas.

É raça e classe contra o racismo e o capitalismo!
A verdade é que os patrões querem que nós paguemos pela crise. E para conseguir isso eles se utilizam de diversos meios. Um desses meios é aumentar as ideias de que os negros valem menos, são mais desonestos, incapazes, vagabundos, incompetentes, ladrões, ou coisas desse tipo. Assim, para os patrões, se os negros valem menos eles podem receber menos né? Aí os patrões saem ganhando, colocando a crise econômica sobre o nosso lombo. É um pouco do que acontece com os haitianos, por exemplo. É o racismo beneficiando os patrões.

A mesma coisa acontece com as mulheres. Nós já vemos como no chão de fábrica elas demoram bem mais pra receber promoção e como são muito mais maltratadas, sofrem bem mais grosserias. Imaginem se for uma mulher negra, aí é ainda pior. 
Os patrões é que colocam essas ideias na cabeça da gente. De que os negros são piores. De que as mulheres são menos. De que os gays são isso ou aquilo. Aí eles vão pagando menos pra cada peão que, sendo uma dessas pessoas, é mais explorado por também ser oprimido. E a gente reproduz essas ideologias impostas pelos patrões sem nos darmos conta.

Na verdade, nós somos uma só classe: homens, mulheres, negros, brancos, brasileiros ou haitianos. Mas como tem essas ideias dos patrões também na peãozada, os oprimidos recebem menos, sofrem mais, tem mais obstáculos.
Já estamos sentindo os efeitos da crise e ela tá só no começo. Algumas medidas que pioram as nossas vidas já começaram: o Governo Dilma (PT) já aumentou a taxa de juros, o preço da gasolina e deve aumentar em breve o preço da luz.

Os grandes empresários junto com os governantes vão querer descarregar a crise sobre todos nós. Mas principalmente sobre as mulheres negras, as mais exploradas e oprimidas.
Os últimos serão os primeiros

Nós vamos precisar enfrentar os patrões para que nossa vida não fique ainda pior. Na luta em defesa dos nossos direitos precisamos mobilizar ao máximo todos os operários e operárias do Brasil e dos outros países. Se houver lutas enormes e greves de grande expressão, a nossa luta defensiva pode virar um ataque contra os patrões.
E assim, em nosso ataque, os últimos serão os primeiros. Colocaremos as reivindicações das mulheres negras em primeiro plano para a nossa classe sair como um batalhão unido contra aqueles que nos detestam e que nós também detestamos. E assim, pode ser que consigamos acabar com a exploração. Precisamos construir um novo sistema, uma nova sociedade, livre e igual. Uma sociedade socialista. Daí, mais do que nunca, os últimos serão os primeiros!
 
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